Presidente demissionário do INEM acusa ministério de negligência e falta de coragem

Luís Meira demitiu-se a 1 de Julho após uma troca de acusações com o Governo sobre o concurso para aquisição do serviço de helicópteros. “Nunca nenhuma tutela me tinha falhado como esta”, lamenta.

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O ex-presidente do Conselho Diretivo do Instituto Nacional de Emergência Médica, Luís Meira, à chegada para a sua audição na comissão de Saúde esta quarta-feira na Assembleia da República MIGUEL A. LOPES / LUSA
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O presidente demissionário do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM), Luís Meira, acusou o Ministério da Saúde de comportamento negligente e de falta de coragem e reafirmou que aquilo que o levou a pedir para sair foi uma "irreversível" perda de confiança na tutela. "Houve uma falha gritante, eu diria negligente, daquilo que é o dever de superintendência sobre o instituto público", criticou esta quarta-feira Luís Meira, durante uma audição na comissão de saúde no Parlamento, requerida pelo PS, para esclarecer a polémica sobre o concurso para aquisição do serviço de transporte aéreo de doentes emergentes. "Nunca nenhuma tutela me tinha falhado como esta", lamentou Luís Meira, que está à frente do INEM desde 2016.

Recordando que pediu por diversas vezes orientações à ministra da Saúde e à secretária de Estado de Gestão da Saúde sobre o que fazer para poder manter em funcionamento o serviço de transporte de emergência com helicópteros, disse que foi confrontado com o "silêncio absoluto" por parte da tutela, apesar dos insistentes pedidos de indicações, enviados através de ofícios e emails. "Cheguei a mandar mensagens por WhatsApp à senhora ministra [da Saúde]" a alertar que tinha que haver uma decisão da tutela relativamente a este problema, afirmou.

Luís Meira demitiu-se no dia 1 de Julho na sequência de uma troca de acusações sobre o concurso para aquisição do serviço de helicópteros. No dia anterior, o Ministério da Saúde tinha criticado o INEM por ter deixado terminar o prazo para o lançamento do concurso público internacional, obrigando-o a avançar para um novo contrato, por ajuste directo, no valor de 12 milhões de euros, com o actual operador, a empresa Avincis, para poder manter a voar os quatro helicópteros de emergência médica — dois durante 24 horas por dia e dois apenas durante o dia.

Face à ausência de resposta do Ministério da Saúde que possibilitasse a abertura de um novo concurso público internacional, como garante que insistiu por várias vezes, a única alternativa à não adjudicação de um novo contrato por ajuste directo seria deixar o país sem o serviço de transporte aéreo de "doentes críticos", explicou, reiterando que há “demasiadas evidências" sobre os sucessivos pedidos de indicações que enviou para o ministério e que podem ser consultadas no dossier que entregou à presidente da comissão de saúde.

O ainda presidente do INEM adiantou que logo em 17 de Abril apresentou um memorando em que propunha que houvesse uma nova Resolução do Conselho de Ministros para a abertura de um concurso público internacional com um valor base mais elevado (18 milhões de euros por ano), tendo em conta que o anterior recebera duas propostas de valor acima do preço base (12 milhões de euros por ano). Um mês mais tarde, apresentou uma proposta alternativa de 15 milhões de euros por ano para quatro helicópteros ligeiros 24 horas por dia, que implicava, porém, "a perda de algumas funcionalidades", nomeadamente o transporte de recém-nascidos .

Já após duas reuniões, em 24 e 25 de Junho, a tutela solicitou ao conselho directivo do INEM propostas para dois cenários: um de um novo ajuste directo e outro que incluísse o envolvimento da Força Aérea, "eventualmente com um helicóptero fornecido por uma empresa privada". "A ministra disse textualmente que teria que ser tomada uma decisão em 48 horas em articulação com o Governo e o INEM", afirmou, frisando que, depois disso, foi o “silêncio absoluto”.

Acusa ministra de "omissão grosseira"

Luís Meira revelou também que ponderou apresentar a demissão antes de avançar para o ajuste directo e que apenas não o fez porque o "serviço pararia" no dia 1 de Julho, deixando os portugueses sem transporte aéreo de emergência médica. "Aquilo que fizemos foi assumir a coragem e resolver o problema que o Governo não teve — neste caso, a senhora ministra da Saúde não teve — para resolver esta questão. Sentimo-nos perfeitamente desapoiados no que digo ser uma omissão grosseira dos deveres de superintendência do ministério", censurou.

Lembrou ainda que o conselho directivo a que preside continua em funções, apesar de estar em gestão corrente desde o dia 1 deste mês. “Desde essa altura, não temos qualquer indicação da tutela seja sobre o nosso futuro imediato, nomeadamente quando iremos ser substituídos”, contestou, acrescentando que também não recebeu indicações sobre a preparação do próximo orçamento do INEM.

Assegurou igualmente que não houve qualquer contacto sobre a possibilidade de colaboração da Força Aérea na operação de transporte de doentes urgentes, como o Governo já admitiu estar a ser estudado. "O INEM foi sempre mantido às escuras, completamente arredado desse processo".

Na audição desta quarta-feira, o deputado socialista João Paulo Correia acusou a ministra da Saúde, Ana Paula Martins, de ter mentido neste processo.

Numa audição em 10 de Julho, a ministra reconheceu que as divergências com Luís Meira tiveram como base o atraso no lançamento do concurso público para a prestação de serviço de helicópteros de emergência médica e adiantou que o ajuste directo realizado no início do ano estava feito para seis meses e previa que, durante esse período, fosse aberto um novo concurso público.

“Nunca impedimos o conselho de administração do INEM – que tem autonomia – nem demos qualquer orientação de não haver outro concurso. Tínhamos todos consciência de que teríamos de encontrar solução, por um lado, através de concurso internacional, eventualmente com um caderno de encargos redefinido”, afirmou.

Após a demissão de Luís Meira, o Ministério da Saúde anunciou que Vítor Almeida tinha sido escolhido para presidir ao INEM, mas o médico decidiu não aceitar o cargo alguns dias depois, tendo, então, sido nomeado o militar Sérgio Dias Janeiro.