Cláudia Ninhos: “Já ninguém acreditava que o museu iria para a frente”

A historiadora diz que a principal revelação da investigação feita resultou da descoberta da correspondência entre membros da família Sousa Mendes.

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Um catálogo-guia do Museu Aristides de Sousa Mendes estará em preparação
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Cláudia Ninhos, historiadora doutorada em História Contemporânea pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, e vogal na administração da Fundação Aristides de Sousa Mendes, é a autora do percurso expositivo do museu que agora eterniza a figura e a acção humanitária do diplomata português em Bordéus, no contexto da perseguição aos judeus e da fuga dos refugiados à ocupação nazi de França. A complementar a visita guiada ao museu ainda em fase de montagem, a historiadora, especialista em história das relações luso-alemãs, do nacional-socialismo e do Holocausto, explicou ao PÚBLICO que este é um projecto ainda em curso, que “vai continuar a desenrolar-se daqui para a frente”.

Durante a visita, tornou claro que esta não é uma casa-museu. Como é que define este novo equipamento?
Esta não é, obviamente, uma casa-museu. Seria impossível reconstituí-la. É o Museu Aristides de Sousa Mendes. É um espaço que tem as diversas valências que a legislação exige para um museu, e é também um espaço de memória, dedicado ao cônsul, pela acção que desempenhou durante a II Guerra Mundial, e também dedicado às famílias destes refugiados, que estão hoje ainda entre nós graças aos vistos passados por Aristides de Sousa Mendes. E será também um espaço muito importante, além dos visitantes em geral, para a comunidade educativa, pelos temas que aqui são abordados e que, hoje em dia, continuam tão prementes.

Qual foi a principal dificuldade no desenho do percurso expositivo do museu?
Convém notar que este é um processo que se vai fazendo e que vai continuar a desenrolar-se daqui para a frente. Até agora, a principal dificuldade esteve no facto de não haver uma colecção constituída. Foi necessário criá-la a partir dos objectos que a família Sousa Mendes, a comunidade local e também as famílias dos refugiados tinham com eles.

Como correu a adesão ao projecto?
Foi um processo difícil. O projecto, durante várias décadas, ficou muito desacreditado. Já ninguém acreditava em que o museu iria para a frente, e que iria abrir. A partir do momento em que as pessoas perceberam que sim, que era um projecto sério e que ia ser executado, aí, sim, passaram a uma adesão e uma colaboração activa. Houve também, da nossa parte, um esforço em trabalhar com estas famílias – a de Aristides de Sousa Mendes e também a dos refugiados – na construção do próprio guião, para que elas se sentissem também incluídas no trabalho.

Houve alguma surpresa, alguma revelação, no decorrer dos trabalhos de reconstrução da casa e de instalação do museu?
Foi sobretudo a documentação, a correspondência entre a família Sousa Mendes, que eu não conhecia e que estava na posse dos descendentes de Aristides, e que nos dá uma dimensão mais humana desta personagem histórica. Normalmente olhamos para ela a partir de uma perspectiva mais institucional: o cônsul de Portugal em Bordéus que salvou vidas… Mas a sua dimensão mais humana é-nos revelada na correspondência trocada com o seu irmão gémeo, César, com a sua esposa, Angelina, e com os filhos. A correspondência familiar foi a maior descoberta.

Para a realização do percurso expositivo, e tendo em conta as características do lugar e da casa, seguiu algum modelo existente, cá ou lá fora?
Tratava-se de conjugar a casa (o espaço físico e o espaço de memória), a colecção que foi possível reconstituir e a história. Obviamente que há inúmeros museus [deste género] um pouco por todo o mundo, mas este não é um museu do Holocausto, não é um museu da II Guerra Mundial; é um museu que conta uma história que está muito relacionada com Portugal, com a neutralidade portuguesa [no conflito] e com a posição do país durante este período histórico.

Vai ser publicado algum catálogo-guia do museu?
Sim. Ainda não existe, mas está no horizonte.

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