O atentado a Trump e o dilema dos democratas

Com quatro meses até às eleições, os democratas ainda podem reagir. Ironicamente, o seu trunfo pode ser o facto que neste momento é a sua maior fragilidade.

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Seria difícil inventar um atentado tão propício para Donald Trump. Nem que seja por isso, podemos rejeitar as teorias que por aí circulam sobre a tentativa de assassinato ter sido orquestrada pelos próprios republicanos: nenhuma conspiração alguma vez correu tão bem. O mais provável é que, tal como a maioria de nós, Trump preferisse não ser alvejado. Ainda assim, a ideia de que o atentado irá beneficiar Trump na campanha para as eleições de Novembro parece consensual.

Como irão responder os democratas? Para anular os efeitos positivos que o atentado poderá ter para a campanha de Trump, é preciso começar pelo diagnóstico. Que efeitos foram gerados pelas imagens que estão a correr o mundo e como podem eles ser neutralizados? Vejo três principais.

O efeito mais óbvio é o de gerar empatia pelo candidato. Mesmo quem vê Trump como o maior inimigo da democracia foi confrontado com a mortalidade, e por isso humanidade, do ex-Presidente. Podemos achar que não temos nada em comum com Trump, mas quando vemos os vídeos daquele momento, é difícil não nos perguntarmos: “Como reagiria eu naquela situação?” Ao imaginar o medo do ex-Presidente, estamos a fazer um exercício de empatia, quer queiramos, quer não.

No entanto, a personalidade e o historial de Trump fazem pensar que os democratas conseguirão responder a este efeito com relativa facilidade depois de passar o choque. Sendo um candidato tão polarizante, os democratas não deverão ter grande problema a relembrar os eleitores de momentos que atenuem quaisquer sentimentos de benevolência. Não faltarão vídeos a mostrar Trump a fazer piadas com o ataque à casa da democrata Nancy Pelosi, que resultou na hospitalização do seu marido. Virar o debate para a posição republicana quanto à aquisição de armas de fogo poderá fazer parte desta estratégia.

Um segundo efeito é o da vitimização, permitindo a Trump voltar a apresentar-se como um defensor do povo perseguido pelas elites. A escala deste efeito depende da forma como Trump e os Republicanos enquadrarem o atentado. Trump ainda não abriu o jogo, mas o senador do Ohio J. D. Vance e a representante da Geórgia Marjorie Taylor-Greene foram rápidos a culpar a retórica dos democratas acerca do perigo que Trump representa para a democracia estadunidense.

Pode parecer que não há nada de novo em cavar o fosso da polarização nos EUA. O problema é que fica agora em xeque uma das traves-mestras da estratégia dos democratas para esta campanha: a de tornar a eleição num momento existencial para a sociedade norte-americana. O ataque ao Capitólio em 2021 justificava que Biden repetisse variações da frase “Trump é o maior perigo para a nossa democracia.” A partir de sábado, qualquer tentativa de demonização de Trump abre o flanco à acusação de incitamento à violência.

O terceiro efeito também é de difícil resposta. A forma como Trump se levantou depois de ter sido alvejado e agitou os punhos no ar, gritando “fight!”, poderá ter gerado algo mais que empatia ou solidariedade. Poderá ter levado a que muitos, mesmo além dos mais entusiastas apoiantes, passem a olhar para ele com admiração.

A personagem de Trump é um produto dos “reality shows” que o tornaram célebre a nível nacional. Os seus instintos de oratória foram adquiridos no The Apprentice, mas também em programas de wrestling. O movimento corporal agressivo (ver debate com Hilary Clinton), a persona exagerada, reconhecida de imediato e de longe (cabelo, gravata e bronze falso) e os desafios egocêntricos e exacerbados (nomes que chama aos adversários) são marcas da “WWE” tanto quanto são do político Donald Trump.

Este perfil levou-o à Casa Branca porque, através dele, Trump consegue impor-se no ciclo mediático e ganhar o tempo de antena para ditar os assuntos do dia. A forma como respondeu ao atentado é a demonstração mais acabada desta imagem, e por isso reforça-a.

Os democratas já tinham perdido a capacidade de definir a agenda depois de a prestação de Biden no debate de 27 de Junho ter confirmado as preocupações com a sua idade. Agora, perante os efeitos de vitimização e de admiração gerados pelo atentado, será ainda mais difícil fazê-lo.

Foi apenas no timing que Trump teve menos sorte. Com quatro meses até às eleições, os democratas ainda podem reagir. Ironicamente, o seu trunfo pode ser o facto que neste momento é a sua maior fragilidade. A idade de Biden dá ao partido uma forma de recuperar a iniciativa, substituindo o candidato sem que isso pareça um reconhecimento de fraqueza. Seria aquilo a que em futebol americano se chama um “passe Hail Mary”. No futebol europeu, claro, chama-se a isto “golo à Éder”.

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