Incêndios florestais em Portugal têm vindo a diminuir, diz relatório

Entre 2013 e 2022, a média do número de incêndios anual diminuiu 49% em comparação com a década anterior, refere relatório da Associação Natureza Portugal. Em 2023, não houve vítimas mortais.

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“Os dados oficiais mostram que 2023 foi um dos melhores anos em comparação com os dez anos anteriores, com menor número de incêndios e menos área ardida em relação à média deste período” Adriano Miranda
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Há boas notícias no Relatório Ibérico de Incêndios 2024: o número de fogos florestais em Portugal tem diminuído, sendo que no ano passado não se registaram vítimas mortais. Estes resultados positivos devem-se provavelmente à prevenção, refere o documento divulgado nesta quarta-feira pela Associação Natureza Portugal (ANP) em parceria com a World Wildlife Fund (WWF), que defende o restauro ecológico como a melhor estratégia para prevenir incêndios em áreas verdes.

“Tivemos um ano bom em termos de incêndios, mas não sabemos bem o que vai acontecer este ano. O trabalho de prevenção tem de ser continuado. Creio que o caminho a percorrer e que nós propomos no relatório é um trabalho moroso, e que até pode vir a ser mais acelerado e direccionado nas áreas de maior risco de incêndio. Mas que não passa nunca por apostar só no combate aos incêndios e voltar atrás na prevenção”, explica ao PÚBLICO Vasco Silva, coordenador de florestas da ANP/WWF.

Vasco Silva recorda que, desde 2022, o investimento português em prevenção (60%) supera o valor gasto em combate aos fogos (40%). O responsável aventa a hipótese de esta aposta ter contribuído para menores números de incêndios e de área ardida na última década. Em resumo, para o responsável, prevenir é sempre melhor do que combater.

Em Portugal, refere o relatório, “os dados oficiais mostram que 2023 foi um dos melhores anos em comparação com os dez anos anteriores, com menor número de incêndios e menos área ardida em relação à média deste período”. O ano de 2023 também foi o primeiro dessa série sem vítimas mortais, contrastando com anos trágicos como o de 2017, marcado pelo incêndio de Pedrógão Grande, que causou 66 mortes e 253 feridos.

“Arderam 34.420 hectares, menos 26% em relação a 2022, confirmando a tendência dos últimos anos em que houve um investimento na prevenção. Esta diminuição estende-se aos incêndios de grande dimensão, que têm vindo a baixar desde o fatídico ano de 2017. Neste caso, o clima terá sido um factor determinante, nomeadamente as condições favoráveis em termos de pluviosidade no final da Primavera”, lê-se no documento.

Entre 2013 e 2022, a média do número de incêndios anual diminuiu quase para metade (49%) em comparação com a década anterior, refere o relatório, tendo esta diminuição sido mais clara a partir de 2017.

“Este decréscimo levou também à redução da área ardida em cerca de 20% no mesmo período entre 2013 e 2022, em média por ano, arderam cerca de 120.000 hectares, em comparação com a década anterior, em que os valores foram acima dos 150.000 hectares”, lê-se no documento.

O problema dos megaincêndios

Se os números dos incêndios estão em queda, se a área ardida é menor, se não houve vítimas mortais no ano passado, então quer dizer que está tudo sob controlo? A resposta é não, não está. O risco de megaincêndios continua a existir e a crise climática só amplifica esse risco.

“Há aqui uma grande questão: temos maiores incêndios, ou seja, os ditos megaincêndios, que são mais difíceis, ou quase impossíveis, de combater. Eles são mais intensos em termos de agressividade: a partir do momento em que há ignição, têm matéria vegetal para progredir”, explica Vasco Silva, numa videochamada com o PÚBLICO.

Esta “severidade extrema” dos incêndios pode ser parcialmente atribuída à crise climática, mas na equação entram ainda outros factores: abandono agrícola, despovoamento das zonas rurais, má gestão florestal e episódios persistentes de seca hidrológica. “Estes incêndios extremos são o resultado de termos virado as costas ao meio rural”, lê-se no relatório intitulado Restaurar para Prevenir.

Com a recém-aprovada Lei do Restauro da Natureza, a ANP/WWF defende que o restauro ecológico oferece uma janela de oportunidade para desenhar paisagens “mais resilientes” e mais bem adaptadas às alterações climáticas. A ideia dessa recuperação de áreas degradadas ou ardidas é não só mitigar o risco de incêndios, mas também “promover a conservação da biodiversidade, a prestação de serviços dos ecossistemas e contribuir para a geração de riqueza nas zonas rurais”.

Vasco Silva sublinha que é importante ver o restauro para além do plantio de árvores. “Achamos, por exemplo, que o restauro é norteado por este princípio de restauro da natureza, mas também pelo restauro da capacidade produtiva dos ecossistemas, ou seja, restaurar as funções que um ecossistema presta”, ilustra o responsável da ANP. Como resultado, as paisagens tendem a ficar mais diversas, mas resistentes e até mais rentáveis.

Diversificar é, de resto, uma das recomendações do relatório. Há na Península Ibérica milhões de hectares de florestas de uma só espécie – pinheiro ou eucalipto – que estão “altamente degradadas”, que “foram queimadas muitas vezes e que alimentam o incêndio seguinte”. O documento recomenda que haja mais diversificação nessas paisagens repetitivas, que são “o resultado da política de reflorestação de meados do século passado”, e “sobre as quais não houve qualquer gestão florestal posterior”.

Em termos globais, os incêndios de 2023 foram violentos em diferentes países. No Canadá, por exemplo, mais de 15 milhões de hectares ficaram queimados. No Havai, um incêndio de grandes proporções destruiu a cidade de Maui, provocando a morte de mais de 100 pessoas.

Um estudo recente publicado na revista Nature Ecology sugeria que a frequência e a magnitude dos grandes incêndios florestais duplicoram nos últimos 20 anos. Impulsionados pela crise climática, os fogos de grandes proporções tornaram-se mais frequentes ao longo das últimas décadas, e sobretudo desde 2017.