Abusou de menores que lhe chamavam avô. Sentença condena-o a cadeia até aos 92 anos

Criança foi atacada ao longo de três anos. Um dia, o atacante ofereceu-lhe dois euros: “É o nosso segredo, toma lá. Vai comprar um gelado ou uma coisa assim.”

Foto
Sala no Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa para jovens vitimas de abusos sexuais Daniel Rocha
Ouça este artigo
00:00
03:17

Um idoso abusou de duas crianças que o consideravam seu avô. Submetido a julgamento, o septuagenário foi condenado no final de Abril passado a 16 anos de cadeia, o que significa que poderá ter de ficar na prisão até aos 92 anos.

Tudo se passou no bairro de Marvila, em Lisboa. As crianças eram filhas de uma enteada que o arguido tinha criado como sua filha, e que entretanto havia sido mãe de duas meninas. Aproveitando-se do facto de ter a chave de casa delas, o idoso iniciou os abusos quando a pandemia estava a começar, em Março de 2020. Durante três anos, atacou a irmã mais velha, na altura com 11 anos, três vezes por semana, num total que a justiça contabiliza como 492 crimes de abuso sexual agravado.

A certa altura, presenteou-a com dois euros: “É o nosso segredo, toma lá. Vai comprar um gelado ou uma coisa assim.” E ia repetindo que era um segredo só dos dois, tentando convencê-la de que ambos gostavam daquilo.

À medida que o tempo passava, a rapariga alterou o seu comportamento e, de aluna exemplar, passou a ter más notas. Sofreu dois ataques de pânico e automutilou-se, fazendo cortes nos braços. Sem desconfiar de nada, a progenitora culpava a entrada na adolescência.

A segunda menina tinha apenas seis anos quando passou também a ser alvo da atenção do predador, já em 2021 — embora com muito menos frequência do que a irmã. Ao que ficou provado em tribunal, foi alvo de abuso três vezes.

Ainda assim, foi ela a dar o alerta, no dia em que, já com sete anos, se queixou à mãe: “O avô desta vez aleijou-me mesmo.”

A progenitora ficou em choque. Sempre protegeu as filhas e nunca pensou que o perigo pudesse vir precisamente do seu padrasto, contou em tribunal, num depoimento emotivo e sofrido.

Embora se tenha remetido ao silêncio durante o seu julgamento, o idoso, que é reformado e vive com a mulher, empregada de limpeza, num bairro social nas Olaias, chegou a admitir num momento anterior, e perante as autoridades, ter abusado da neta mais velha, embora negando tudo o que dizia respeito à mais nova.

As juízas do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa escreveram na sua decisão que apresenta “um défice de consciência crítica” relativamente à sua conduta, bem como uma atitude de desresponsabilização, assacando ainda por cima responsabilidades pelo sucedido à primeira vítima e à sua família. Falam de “total indiferença e insensibilidade”.

Hoje com 16 anos, esta jovem teve de ser seguida por um psicólogo e é actualmente acompanhada em psiquiatria, tomando medicação para a ansiedade.

Apesar de o arguido padecer de vários problemas de saúde disfunção eréctil, complicações renais, diabetes e dificuldades auditivas , as magistradas que o julgaram entenderam que estas circunstâncias “não se mostram incompatíveis com a execução da pena em meio prisional”. Em condenações superiores a seis anos de cadeia, diz a lei que a liberdade condicional é obrigatória quando o criminoso atinge os cinco sextos da pena, o que significa que terá não 16 mas pouco mais de 13 anos para cumprir. A não ser que veja a pena baixar na sequência do recurso que apresentou para o Tribunal da Relação de Lisboa.

Além dos 16 anos de prisão, as juízas de primeira instância decretaram ainda que o agressor sexual terá de indemnizar a principal vítima com 35 mil euros e a irmã mais nova com 15 mil.

Sugerir correcção
Ler 2 comentários