Vizinhos do terminal do Porto de Lisboa esperam alívio do problema com cruzeiros de recreio

“É como se um carro gigante tivesse ligado os motores à nossa frente”, reclamam vizinhos do terminal de cruzeiros do Porto de Lisboa. Portos europeus devem fornecer eletricidade aos navios até 2030.

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Um cruzeiro no terminal do Porto de Lisboa, a 26 de Junho de 2024 Pedro Nunes / REUTERS
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Um grupo de pessoas no miradouro de Santa Luzia, enquanto um navio de cruzeiro se prepara para sair do terminal de cruzeiros de Lisboa, a 26 de Junho de 2024 Pedro Nunes / REUTERS
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Navio a abandonar o terminal do Porto de Lisboa Pedro Nunes / REUTERS

As pessoas que vivem perto do terminal do Porto de Lisboa e de outros locais esperam que as infra-estruturas de ligação à corrente eléctrica possam aliviar um pouco o sofrimento de partilhar as suas cidades com navios de cruzeiro que libertam fumo enquanto os passageiros em busca de prazer vêem as vistas.

As regras da União Europeia destinadas a reduzir as emissões de carbono chamaram a atenção para esta questão, estabelecendo um prazo até 2030 para que os portos marítimos instalem as infra-estruturas necessárias para que os navios utilizem electricidade em vez de combustível marítimo altamente poluente quando estão atracados.

Os residentes acreditam que a mudança para a electricidade pode ser uma vantagem. "É como se um carro gigante tivesse ligado os motores à nossa frente", compara João Branco em declarações à Reuters, de pé num miradouro em Alfama, um dos bairros mais antigos da cidade, onde o terminal de cruzeiros de Lisboa foi inaugurado em 2017.

João Branco, de 42 anos, que com a companheira está à espera do primeiro filho, espera que a próxima geração seja poupada a algumas das toxinas e do ruído que as centenas de navios, que transportam centenas de milhares de passageiros todos os anos, deixam com os seus motores ligados no porto para alimentar as comodidades a bordo, incluindo a iluminação e o ar condicionado.

Para Carlos Torres, 48 anos, também morador de Alfama, a electrificação é essencial. "A actividade do terminal de cruzeiros tem um enorme impacto ambiental e tem um impacto negativo na saúde de quem vive aqui", constata.

A poluição e a solução imperfeita

Dados da ONG Transport & Environment (T&E), sediada em Bruxelas, classificam Lisboa como a quinta cidade europeia com maior nível de poluição atmosférica causada por navios de cruzeiro, atrás dos portos de Barcelona, Civitavecchia, Palma e Pireu.

A poluição proveniente dos combustíveis marítimos inclui o dióxido de enxofre, os óxidos de azoto e as partículas nocivas, bem como as emissões de carbono.

Dependendo do destino do navio e da regulamentação em vigor, este pode estar a utilizar um combustível cujo teor de enxofre é 100 a 500 vezes superior à norma europeia aplicável aos veículos automóveis, afirmou a T&E.

Como o número de viajantes continua a crescer, aumentando ainda mais a pressão sobre as economias locais, a electrificação é uma solução imperfeita e dispendiosa.

Em Lisboa, o projecto de 27 milhões de euros (28,97 milhões de dólares) para instalar cabos para ligar o porto a uma central eléctrica a 4,4 quilómetros de distância, deverá estar pronto em 2029. Esta medida permitirá que os três navios de cruzeiro que o porto pode acolher em simultâneo se liguem à rede eléctrica, informou o Ministério das Infra-estruturas português.

Cerca de três quartos do abastecimento de electricidade em Portugal já é constituído por energias renováveis e a percentagem está a aumentar. A substituição do combustível marítimo como fonte de energia enquanto os navios estão atracados reduziria 77% dos gases com efeito de estufa emitidos anualmente na zona portuária de Lisboa, acrescentou o ministério.

Carlos Correia, presidente do Porto de Lisboa, afirmou que a elevada percentagem de energia renovável em Portugal é uma grande vantagem. "Se tivéssemos electricidade produzida a partir de combustíveis fósseis estaríamos a reduzir (as emissões) aqui no porto, mas a aumentá-las na fonte", refere.

Ritmo variável de mudança

Na vizinha Espanha, o porto de Barcelona, o mais movimentado do país para navios de cruzeiro, planeia fornecer electricidade a um dos seus sete terminais de cruzeiro até 2026 e a todos os terminais até 2030. O porto de Palma de Maiorca, de menor dimensão, já fornece electricidade aos ferries e espera estendê-la aos navios de cruzeiro até 2030.

Noutros locais, os funcionários foram mais hesitantes.

Em Civitavecchia, perto de Roma, e no Pireu, na Grécia, os operadores afirmaram estar a estudar ou a planear a instalação de pontos de energia em terra, mas referiram preocupações quanto à capacidade eléctrica.

Fora da Europa, os progressos são mais lentos, nomeadamente nos Estados Unidos e nas Caraíbas, o principal centro mundial de turismo de cruzeiros.

Nick Rose, director da área ambiental, social e de governação da Royal Caribbean, o segundo maior operador de cruzeiros do mundo, afirmou que a região representa um "desafio único", sendo pouco provável que a energia em terra seja viável na maioria das ilhas.

Ao longo da costa oeste dos EUA, os portos de cruzeiro oferecem pelo menos um cais que pode fornecer energia em terra, enquanto na costa leste, o porto de Miami diz que será capaz de fornecer energia a um máximo de três navios de cruzeiro de cada vez até Dezembro.

O ovo e a galinha

Por seu lado, as companhias de cruzeiros afirmam estar a trabalhar na questão.

O principal operador, a Carnival Corp, afirmou que pretende atingir "100% de energia em terra para a frota até 2050", enquanto o Grupo Royal Caribbean afirmou que toda a sua frota deverá estar equipada até 2030.

Constance Dijkstra, da T&E, referiu-se à situação do ovo e da galinha, frequentemente citada com o carregamento de veículos eléctricos, dizendo que a falta de procura tinha atrasado o desenvolvimento de infra-estruturas.

Os navios de cruzeiro não se ligam à rede eléctrica porque esta não será obrigatória na Europa até 2030 e o custo é um factor importante, uma vez que a produção de electricidade "utilizando combustíveis sujos" é mais barata.

O presidente do Porto de Lisboa disse que o operador ainda não decidiu sobre as tarifas, mas que, para já, é mais barato para os navios utilizar a energia dos motores.

A Cruise Lines International Association (CLIA), entidade que representa o sector, considera que os governos têm de intervir, tal como têm incentivado os veículos eléctricos.

"Estamos todos empenhados na transformação verde e, obviamente, todos temos de fazer a nossa parte", afirmou Alfredo Serrano, director espanhol da associação, acrescentando que o compromisso é que, até 2028, cerca de 80% dos navios de cruzeiro do mundo estejam equipados para utilizar energia eléctrica em terra.

Isto significa que é necessário criar muitas infra-estruturas: apenas 36 dos 1200 portos de cruzeiro do mundo têm capacidade para fornecer electricidade pelo menos num dos seus terminais, de acordo com dados da CLIA de Março.