Carlos Tavares: “As taxas aduaneiras vão criar mais uma linha de fractura na Europa”
O CEO da Stellantis afirma-se “preocupado com o Ocidente, sobretudo com a Europa” e avalia que o proteccionismo contra os eléctricos chineses foi decidido sem ter em conta as consequências.
Apesar de ser “um dia feliz” em Mangualde, o CEO da Stellantis, Carlos Tavares, não se escusou a falar sobre um dos temas em agenda para a indústria automóvel: as taxas aduaneiras decididas pela Comissão Europeia para travar a chegada de marcas chinesas ao mercado, que, na opinião do responsável, não vão ser benéficas para o sector.
“Na Stellantis, que é uma empresa global (…), temos uma visão global”, começou por dizer, durante uma mesa redonda com jornalistas à margem da cerimónia do início da produção de eléctricos em Mangualde, na qual o PÚBLICO esteve presente. E explicou: “Estarmos protegidos na Europa não nos permite ganhar na concorrência em África ou na América Latina”, onde não existirão as mesmas medidas proteccionistas. Além do mais, estima, “as taxas aduaneiras vão criar mais uma linha de fractura na Europa”, confessando-se “preocupado com o Ocidente, sobretudo com a Europa”.
Para o homem-forte da Stellantis “só há uma possibilidade para combater os chineses”: melhorar os produtos e torná-los mais baratos, acessíveis à classe média, adiantando que “temos a tecnologia” para o fazer. E reforçou: “Preferimos que não haja protecção — só nos vai fazer adormecer neste combate renhido que vamos ter de travar.”
Já em termos políticos, para Tavares, a implementação das taxas “é tentar corrigir um erro no momento em que se decidiu a transição”, mas com uma medida para a qual não foram avaliados os efeitos secundários. “Traduz uma complexidade mental que não está adequada aquilo que nós estamos a viver: temos a tecnologia, somos capazes de fazer veículos eléctricos estupendos.”
No entanto, admite que o cenário ainda não é favorável: “Temos um problema de custo que não permite às classes médias comprarem veículos eléctricos; é isso que temos de tratar, pela raiz, e não tentar pôr protecções à volta.” É que, exemplifica, “se tentarmos pôr o mercado dentro de uma bolha, vai haver inflação, que será combatida com subsídios, que depois terão de ser compensados com impostos”.
Sobre um possível abrandamento das regulações para a transição, fruto de uma viragem à direita no Parlamento Europeu, Carlos Tavares chama a atenção para o facto de “as eleições não modificarem o problema do aquecimento global”, temendo que “se houver uma grande pressão política será mais uma vez uma que não resolve o problema”.
A solução, aponta, está na rede de fornecedores e na criação de uma cadeia de abastecimento, que diz ser a única maneira de combater os chineses. No que diz respeito aos subsídios, o empresário considera que estes devem estar reservados aos cidadãos e não à indústria, mas deixa algumas ideias que, em Portugal, podem ajudar o seu negócio, como a linha ferroviária com ligação ao porto de Vigo e de Leixões, “que está a avançar” e que “idealmente seria directa à fábrica”, e o custo da energia: “tem de se situar abaixo dos 70€/MWh e é preciso controlar a volatilidade do preço”. E deixa um recado: “Utilizem o PRR [Plano de Recuperação e Resiliência] para acelerar a rede de carregamento.” É que se as infra-estruturas de carregamento forem visíveis e de um nível de densidade elevada permite que os carros tenham baterias mais pequenas, tornando os carros mais baratos.