Dois cenários para a Europa
A proteção e a transformação dos sistemas democráticos a nível local, nacional e europeu devem constituir uma prioridade para a próxima legislatura europeia.
Nos próximos cinco anos, a União Europeia terá de fazer face a desafios globais de grande porte: para além da guerra à s sua portas, a crise climática vai tornar-se ainda mais evidente, a transformação digital vai mudar tudo e desigualdades sociais gritantes trarão mais tensões políticas.
Todos estes desafios seriam mais fáceis de enfrentar com maior cooperação internacional. Mas a lógica da competição geopolítica por áreas de influência está a tornar-se predominante não só entre os EUA e a China, mas também entre outros actores globais, incluindo agressivos como a Rússia liderada por Putin.
A conjunção de todas estas linhas de força pode colocar o projeto europeu sob grandes riscos, nomeadamente:
- se a guerra na Ucrânia se prolongar, exigindo o redobrar de esforços pelo lado europeu;
- se o processo de alargamento agora em marcha for perturbado pela influência russa;
- se as tensões nas regiões vizinhas – Médio Oriente, África – aumentarem a pressão migratória sobre a Europa;
- se a Europa não fôr capaz de reforçar a sua capacidade de resistência em termos de segurança, defesa, energia, alimentação, matérias-primas essenciais e cadeias de abastecimento;
- se a Europa não fôr capaz de definir o seu próprio caminho e autonomia estratégica na revolução digital;
- se a UE não dispuser de meios financeiros para assegurar uma transição ecológica justa, o que trará protestos de diferentes grupos: agricultores, trabalhadores perdendo os seus empregos, agregados familiares vulneráveis enfrentando preços elevados na energia, nos transportes e na habitação;
- se as desigualdades sociais aumentarem entre regiões e entre gerações, gerando migração forçada e fuga de cérebros,
- se o debate democrático para encontrar melhores soluções fôr perturbado por forças políticas que resistem à cooperação europeia, preferindo o entricheiramento nacionalista e aumentando a sua influência com mensagens populistas nas redes sociais.
Este cenário pode tornar-se provável num futuro próximo. Um outro cenário é possível, porém, se a União Europeia for capaz de:
- melhorar a coordenação da sua política externa, desenvolver a capacidade de defesa da UE e reforçar a segurança económica e a resiliência social;
- agir mais como ator global, criando melhores soluções para a cooperação internacional, desenvolvendo novas parcerias estratégicas e reforçando o papel da UE na governação mundial e na urgente reforma do sistema multilateral;
- reorganizar as suas relações com as regiões vizinhas, implementando o Pacto da UE sobre Migração e Asilo com enfoque na inclusão e conduzindo a nova vaga de alargamento com uma nova abordagem, gradual mas eficaz.
No entanto, estas novas prioridades na frente externa não deveriam ser promovidas à custa do sacrifício de outras prioridades importantes, que são nomeadamente:
- acelerar a transição ecológica com justiça social em todos os sectores, combinando uma política social forte e uma verdadeira política industrial europeia para desenvolver o sistema de inovação da UE;
- regular a revolução digital de acordo com os valores europeus, aumentar as capacidades digitais da UE e enquadrar o impacto da digitalização no trabalho e no emprego;
- criar uma nova vaga de empregos de qualidade e abrir novas oportunidades de vida para os jovens;
- aplicar o Pilar Social Europeu, nomeadamente nos serviços sociais de interesse geral, como a saúde e a educação, desenvolver um novo sector de cuidados e lançar um plano europeu para a habitação.
Uma questão crucial para a próxima legislatura será, por conseguinte, a de saber como concretizar e financiar todas estas prioridades – e todos estes bens públicos europeus – ao mesmo tempo. Há que fazer mais a nível nacional. A recente reforma da governação económica e das regras orçamentais nacionais exigirá que os Estados-membros elaborem planos orçamentais e estruturais quadrienais que combinem reformas e investimentos com um espaço fiscal que será um pouco maior, mas ainda muito limitado. O investimento privado deve ser mobilizado a todos os níveis através da conclusão da União dos Mercados de Capitais e do desenvolvimento do Programa Europeu de Investimento conduzido pelo Banco Europeu de Investimento.
No entanto, isso não vai ser suficiente para a escala dos investimentos em causa. A capacidade pública europeia de investimento tem também ser reforçada para fornecer bens públicos europeus essenciais em matéria de segurança, defesa, energia e infra-estruturas digitais, e para fazer face a choques com impacto social, como aconteceu durante a pandemia.
Esta ambição deveria também estar presente aquando da preparação do próximo quadro financeiro plurianual (QFP) para o orçamento da UE, a partir de 2025. Todas estas prioridades deveriam refletir-se nas reformas da política de impostos da UE para uma maior sustentabilidade e justiça social – e também porque é necessário encontrar novos recursos próprios para a UE.
A maioria dos desafios acima referidos exigirá soluções europeias mais fortes e, se a capacidade de as concretizar falhar, a ascensão da extrema-direita e das forças anti-europeias tornar-se-á ainda mais visível em toda a Europa.
A proteção e a transformação dos sistemas democráticos a nível local, nacional e europeu devem, por conseguinte, constituir uma prioridade para a próxima legislatura, com algumas preocupações centrais: melhor imposição do Estado de direito, reforma interna da UE e da sua relação com os cidadãos europeus, tanto na democracia representativa como na participativa, e desenvolvimento duma nova infraestrutura mediática para uma democracia mais forte.
É isto que está em jogo na próxima legislatura, que abrirá certamente uma nova fase para o projeto europeu. Estes dois cenários marcarão o campo da negociacão política europeia, mas ele pode de novo transformado por eventos marcantes como as eleições antecipadas em França e as eleições nos EUA – grandes nuvens de incerteza no nosso horizonte.