Proteger 1,2% da Terra permite travar extinções – se escolhermos os sítios certos
Estudo faz cartografia de 16 mil locais no planeta cuja conservação deve ser prioritária para atingir objectivo de salvaguardar a biodiversidade, protegendo 30% do território até 2030.
Se protegermos apenas 1,2% da superfície da Terra, é possível travar a enorme onda de extinção de espécies causada pela actividade humana, escrevem cientistas na revista Frontiers in Science, num artigo publicado nesta terça-feira. Mas tem de ser nos sítios certos, onde se encontram as espécies mais raras e ameaçadas: a equipa identificou 16.825 locais destes, em todo o mundo.
Estes locais ocupam uma área total de 164 milhões de hectares – mais ou menos a dimensão do Irão. No entanto, correspondem apenas aos tais 1,2% de território terrestre. Mas o que o artigo, que tem como primeiro autor Eric Dinerstein, da organização não-governamental Resolve, torna bem claro é que o mais importante é a localização, e não a quantidade de território preservado.
A equipa, constituída por cientistas ligados a organizações não-governamentais e universidades, identifica aquilo a que chama “imperativos de conservação”, uma expressão cunhada por eles. São os tais 16.825 locais que não estão actualmente protegidos e cuja conservação deve ser priorizada durante os próximos cinco anos.
“Nestes locais, que são os ecossistemas com maior diversidade biológica, mas também mais ameaçados do planeta, vivem mais de 4700 espécies em risco”, disse Andy Lee, também da Resolve e outro dos autores.
“São mamíferos e aves, que precisam de habitats grandes e intactos, como o búfalo-anão-de-mindoro ou tamarao [Bubalus mindorensis, endémico da ilha de Mindoro], nas Filipinas, ou o macaco-negro (Macaca nigra), de Sulawesi (Indonésia), mas também anfíbios com um habitat reduzido e raras espécies de plantas”, afirmou Andy Lee, citado num comunicado de imprensa.
Neste momento, há uma janela de oportunidade para os salvar, mas está apenas entreaberta. “Preservar estes 16.825 locais, para garantir a persistência de espécies endémicas raras e ameaçadas, é uma proposta financeiramente viável. Mas esta viabilidade vai reduzir-se rapidamente”, justificou um dos co-autores do trabalho, Carlos Peres, especialista de ecologia de conservação da natureza na Universidade de East Anglia (Reino Unido), no mesmo comunicado.
Estamos a proteger os sítios errados
Só que os autores analisaram as novas áreas protegidas que foram sendo criadas em todo o mundo, entre 2018 e 2022, e perceberam que muito raramente coincidem com as zonas cuja protecção deveria ser prioritária, por terem a biodiversidade mais rica e ameaçada.
Na verdade, só vivem espécies raras e em risco de extinção em 11 dos 120 milhões de hectares que foram adicionados à Base de Dados Mundial de Áreas Protegidas durante este período. Isto é menos de 7% das áreas identificadas agora como “imperativos de conservação”, notam os cientistas. Isto deixa estas zonas cruciais para a preservação da biodiversidade em risco de degradação ou conversão para outras utilizações – agricultura, ou espaços urbanos, por exemplo.
“Expresso de uma forma ligeiramente diferente, se os 120 milhões de hectares que foram protegidos no período de 2018-2023 fossem em áreas de imperativos de conservação, 73% estariam já sob protecção”, escrevem os cientistas.
É preciso mudar o foco para as espécies raras não protegidas, para que seja possível cumprir o objectivo de chegar a 2030 com 30% do território protegido, expresso na declaração de Kuming-Montreal da Convenção das Nações Unidas para a Biodiversidade, de Dezembro de 2022. Actualmente, só 17% do território está protegido.
“A maior parte dos países não tem uma estratégia para lá chegar”, disse à Reuters Carlos Peres. “As metas 30x30 ainda não estão muito pormenorizadas, ainda não foi determinado quais os 30% que devem ser protegidos”, acrescentou.
Proteger apenas 0,74% do território nos trópicos, onde se concentram as áreas de “imperativos de conservação”, poderia evitar a maioria das extinções de espécies a curto prazo que se estão a prever. Mas apenas 2,4% das novas áreas protegidas entre 2018 e 2022 se localizavam em florestas húmidas tropicais e subtropicais, onde está a grande maioria destes locais cruciais para a preservação da biodiversidade (75%).
Os Estados Unidos são o único país dos sete mais industrializados (G7) que estão no top 30 dos países na análise, com 0,6% dos locais a proteger (102).
Na verdade, o que tem sido priorizado é exactamente o oposto do que devia ser. Florestas caducifólias temperadas (com árvores que perdem as folhas no Outono e Inverno, como as faias, nogueiras e carvalhos), que se encontram na Europa e na costa Oeste dos Estados Unidos, por exemplo, ficaram com 69% das novas áreas protegidas. Mas lá não existe grande número dos “imperativos de conservação” identificados pelos investigadores.
Fazer contas
Mas porque é que isto acontece? A competição por financiamento limitado e por atenção no desenvolvimento de políticas entre a protecção da biodiversidade e os esforços de mitigação das alterações climáticas é um dos motivos. Mas preservar a natureza é fundamental para travar e reverter a crise climática, frisa a equipa. O coberto vegetal do planeta funciona como um sumidouro de carbono, ou seja, na sua respiração, as árvores tiram da atmosfera o dióxido de carbono em excesso produzido pelas actividades humanas que está a provocar o aquecimento global e as alterações climáticas.
Outro motivo é que as áreas onde os cientistas identificaram “imperativos de conservação” ficam em zonas valiosas para a exploração florestal e agrícola. As novas áreas protegidas que têm sido criadas, pelo contrário, são em locais com baixa produtividade agrícola.
Na verdade, estes 16.825 locais que devem ter toda a prioridade na preservação da biodiversidade são mesmo muito concentrados. Além de serem em florestas húmidas tropicais e subtropicais, 87% encontram-se em apenas 30 países. E entre estes, cinco países destacam-se: Filipinas (3355 locais), Brasil (3342), Indonésia (1893), Madagáscar (968) e Colômbia (761). A Rússia está em 11.º lugar no top, com 1,7% do total de sítios de grande diversidade biológica, mas é o país que tem mais área a proteger: 138.436 km2.
As contas de quanto custaria proteger estas áreas de “imperativos de conservação” são difíceis de fazer, pois dependem de vários factores que podem mudar de local para local. Mas os cientistas fazem uma estimativa de quanto poderia custar, ao longo dos próximos cinco anos, proteger todas estas áreas a nível mundial (263 mil milhões de dólares ou 245 mil milhões de euros). Se o esforço for concentrado nos trópicos, o custo ficaria pelos 157.500 milhões de euros.
O custo de proteger todas as áreas classificadas como “imperativos de conservação” seria de 53 mil milhões de dólares (ou 49.400 milhões de euros) por ano, durante cinco anos – o que é menos do que 0,4% do Produto Interno Bruto (PIB) dos Estados Unidos. “Mesmo metade desta soma bastaria para proteger a maioria das espécies raras e em risco de extinção”, sublinham.
Para proteger as espécies nos trópicos, insistiu ainda Andy Lee, a soma necessária é equivalente a “9% dos subsídios de que beneficia a indústria de combustíveis fósseis, e uma fracção dos lucros gerados pela indústria mineira e agro-florestal todos os anos”, sublinhou.
Os cientistas notam que 38% dos “imperativos de conservação” estão localizados a cerca de 2,5 km de uma área protegida que já existe. “Isto poderia reduzir muito os custos de criar e gerir novas áreas protegidas, aumentando a ligação entre habitats e estratégias de mitigação climática”, escrevem.