ONU admite que Israel tenha cometido crimes contra a humanidade em Gaza

Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos acusa Israel de falhar na distinção entre alvos civis e combatentes e vinca ausência de responsabilização de dirigentes militares.

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Bandeira palestiniana erguida entre ruínas no campo de refugiados de Bureij, no centro da Faixa de Gaza, esta terça-feira MOHAMMED SABER
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O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos apresentou esta quarta-feira um relatório de análise a vários ataques das Forças de Defesa de Israel (IDF) à Faixa de Gaza no final do ano passado, admitindo que podem constituir violações das leis da guerra e crimes contra a humanidade.

A ONU documentou seis grandes bombardeamentos entre 9 de Outubro e 2 de Dezembro de 2023, que atingiram edifícios residenciais, campos de refugiados, uma escola e um mercado. No total, as Nações Unidas puderam confirmar 218 mortes resultantes desses ataques, mas a organização diz ter informações que indicam um número de vítimas mortais muito mais elevado.

“O dever de optar por meios e métodos de guerra que evitem ou, no mínimo, reduzam ao máximo o dano causado a civis parece ter sido sistematicamente violado na campanha de bombardeamentos de Israel”, afirma, em comunicado, o alto comissário das Nações Unidas Volker Turk. O relatório salienta ainda que o ataque generalizado ou sistemático de uma população civil pode implicar a prática de crimes contra a humanidade.

Segundo o Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos (ACNUDH), Israel falhou em garantir a distinção entre alvos civis e combatentes, ao usar armas explosivas em zonas densamente povoadas. “As vidas e infra-estruturas civis estão protegidas pelo direito humanitário internacional. A lei define muito claramente as obrigações das partes em conflitos armados, a protecção dos civis é uma prioridade.”

Num dos ataques documentados, a 2 de Dezembro passado, Israel atingiu o bairro de Ash Shujaiyeh, na cidade de Gaza: destruiu 15 edifícios, danificou outros 14, matou pelo menos 60 pessoas. Nessa ofensiva, foram lançadas nove bombas GBU-31, cada uma com quase uma tonelada, tornando impossível a limitação de danos requerida pela lei internacional.

Por essa altura, as retaliações israelitas ao ataque do Hamas a 7 de Outubro já tinham provocado mais de 17.700 mortes na Faixa de Gaza, a maioria mulheres e crianças. Semanas antes, um porta-voz das IDF tinha dito: “Embora equilibrando precisão e alcance, neste momento estamos concentrados no que provoca o máximo de destruição.” Hoje o número de vítimas mortais ultrapassa 37 mil.

Em cinco dos seis ataques analisados, não foi emitido qualquer aviso à população. Em três dos ataques, as Forças de Defesa garantiram ter na mira indivíduos ligados à violência de 7 de Outubro. O relatório realça, contudo, que nem a presença de um comandante, nem de vários combatentes ou alvos militares legitimam ataques indiscriminados a bairros residenciais.

Passados oito meses desde o primeiro destes “incidentes extremamente graves”, Israel mantém-se incapaz de os esclarecer ou avançar para a responsabilização dos dirigentes militares.

“Tendo em conta o fracasso bem documentado de Israel em garantir a responsabilização das suas forças por graves violações do direito humanitário, são necessárias respostas a nível internacional”, lê-se no relatório do ACNUDH, que apela ao envolvimento do Tribunal Penal Internacional.

Apesar de focado em Israel, o documento refere também a acção de "grupos armados palestinianos", como identificados pela ONU, que desde Outubro têm disparado projécteis de forma indiscriminada contra Israel, resultando na morte de dois civis.

Em paralelo à publicação do relatório, a presidente da comissão de inquérito da ONU sobre Israel e os territórios palestinianos ocupados, Navi Pillay, acusou os militares israelitas de levarem a cabo o “extermínio” do povo palestiniano e afirmou que, apesar de tanto o Hamas como as IDF terem cometido crimes de guerra, o Estado judaico é o único responsável por crimes contra a humanidade.

Em reacção, a representação israelita nas Nações Unidas caracterizou o relatório como “factual, legal e metodologicamente incorrecto”.

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