Associações contra fim de regra que permitia regularizar trabalhadores que já estavam em Portugal

Quase 50 associações reivindicam a manifestação de interesse, a regularização urgente de todas as pessoas imigrantes, o reagrupamento familiar e uma AIMA com meios.

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Edifico sede da AIMA Nuno Ferreira Santos (arquivo)
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Quase 50 associações de defesa dos direitos dos imigrantes criticaram o fim da manifestação de interesse, o regime que permitia aos trabalhadores imigrantes regularizarem-se desde que estivessem a descontar para a Segurança Social há pelo menos um ano. Consideram que a iniciativa do Governo, apresentada no plano para as migrações no início de Junho, é "um retrocesso de pelo menos 17 anos em políticas de imigração".

As associações, entre elas as maiores do país como a Solidariedade Imigrantes, Olho Vivo, Casa do Brasil, reivindicam "a continuação da manifestação de interesse, a regularização urgente de todas as pessoas imigrantes que vivem e trabalham em Portugal, o reagrupamento familiar e uma AIMA dotada dos meios humanos e técnicos necessários para com celeridade dar as respostas aos processos pendentes". A AIMA - Agência para a Integração, Migrações e Asilo, tem 400 mil processos pendentes. Apesar de concordarem com o princípio que norteou a criação desta agência - a separação da parte documental da policial - as associações criticam a falta de recursos humanos e tecnológicos adequados para responder à herança deixada pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF).

Foram pedidas audiências aos partidos, ao Presidente da República e ao primeiro-ministro. Pediram-nas porque querem expressar as suas "preocupações e fazê-los perceber que isto vai resultar em 'maus resultados'", refere Flora Silva, dirigente da Olho Vivo. "Não é possível o quadro que se está a criar, já estamos a senti-lo e a tendência será piorar. A falta de manifestação de interesse vai empurrar muita gente para a exclusão social, e para um limbo que conhecemos há muitos anos. Não se justifica que Portugal, com a experiência que tem não só de emigrantes como de acolhimento de imigrantes, tenha um recuo tão grande, com piores consequências, como este. Já estamos a sentir os efeitos, há pessoas que estavam a preparar o processo de manifestação de interesse, que estavam a trabalhar, que já não conseguem regularizar-se", acrescentou.

A imagem que se criou é que as pessoas estavam muito tempo sem regularização, mas isso devia-se "exclusivamente à demora de resposta dos serviços", que estavam com uma média de dois anos para as respostas, acrescenta Flora Silva. "Esta era a forma mais transparente e mais fácil para imigrantes - e para a AIMA. Ou a pessoa preenchia os requisitos ou o pedido era indeferido. Os pedidos eram analisados por ordem de entrada no sistema, e ninguém passava à frente."

No documento, as associações referem que "estão em total desacordo com o fim da manifestação de interesse". O seu fim "representa voltarmos a antes de 2007 ou mesmo ao século passado, ao período da construção da Expo 98, da ponte Vasco da Gama e outras grandes obras, em que dezenas de milhares de pessoas imigrantes permaneciam em situação irregular sujeitos à arbitrariedade das entidades empregadoras sem escrúpulos e das máfias", escrevem as 47 organizações. "Só o trabalho clandestino, com menos direitos e mais exploração laboral e a economia paralela irão prosperar".

Num texto com o título "Manifestação de Protesto do Movimento Associativo", estas associações dizem que a medida "não só deixa de fora dezenas de milhares de pessoas imigrantes que estão a trabalhar e a descontar para a Segurança Social, na expectativa de fazer uma manifestação de interesse e assim obter um título de residência, como fecha as portas àqueles de que o país precisa".

Filas mudam da porta da AIMA para as dos consulados

Argumentando que as empresas portuguesas "não vão contratar trabalhadores que não conhecem e que estão a milhares de quilómetros", as associações dizem que a iniciativa do Governo muda as filas à porta da AIMA para a porta dos consulados, que não têm meios nem para processar os pedidos, nem para controlar as máfias que dizem existir no processo de atribuição de vistos de trabalho. Isto porque, segundo as alterações do Governo, tirando os cidadãos com determinados perfis como os da Comunidade de Países de Língua Oficial Portuguesa (CPLP) ou jovens estudantes, quem quiser trabalhar em Portugal tem de pedir um visto para o efeito no país de origem.

O fim da apresentação das manifestações de interesse foi anunciado no dia 3 de Junho e entrou em vigor no dia seguinte. Desde então qualquer novo pedido de manifestação de interesse é recusado, mesmo que o requerente já esteja em Portugal.

"Portugal precisa das pessoas imigrantes em todos os domínios. Sem imigrantes, muitos sectores da economia paravam por falta de mão-de-obra. A Segurança Social teria dificuldades em garantir a sua sustentabilidade e o futuro das reformas. Em 2022, as pessoas imigrantes contribuíram com 1.861 milhões de euros para a Segurança Social e só beneficiaram de 257 mil euros. As pessoas
imigrantes são uma mais-valia para Portugal em todos os domínios da sociedade", referem.

Alertam ainda que "a imigração não se abre e fecha como uma torneira" e que, "enquanto em Portugal houver oferta de trabalho, as pessoas imigrantes chegarão aos milhares todos os anos sem condições para se regularizarem, sujeitos aos ditames das máfias e de entidades empregadoras sem escrúpulos. O pacote legislativo do Governo não responde às necessidades da economia, demografia, segurança social e solidariedade".

Os movimentos associativos chamam ainda a atenção para "a crescente violência contra as pessoas imigrantes que teve maior expressão em vários actos de violência no Porto, Lisboa e Algarve, o que exige da parte do Governo medidas de protecção e de criminalização efectiva dos agressores".

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