Amnistia Internacional preocupada com risco de abusos nos Mundiais de 2030 e 2034

Marrocos é alvo dos maiores alertas feitos à organização conjunta do Mundial de Futebol de 2030 com Portugal e Espanha. Depois dos casos do Qatar, as promessas da FIFA não convencem a Amnistia.

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Amnistia preocupada com respeito pelos direitos humanos nos Mundiais de 2030 (em Portugal, Espanha e Marrocos) e 2034 (na Arábia Saudita) Jalal Morchidi / EPA
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Violência policial, racismo nos estádios, acidentes de trabalho, o agravamento da crise da habitação em Portugal e Espanha e a falta de direitos de mulheres e de minorias em Marrocos. Estes são alguns dos riscos que a Amnistia Internacional (AI) aponta à organização conjunta do Mundial de Futebol de 2030 por estes três países.

Em conferência de imprensa, esta quarta-feira, a AI mostrou-se céptica perante as promessas da FIFA de acautelar riscos, apontando as promessas esquecidas em relação a torneios anteriores, como o Mundial de 2022 no Qatar.

O precedente do Qatar, onde se registaram inúmeros acidentes de trabalho e violações de direitos laborais, é referido sobretudo em relação a Marrocos, país que terá de erguer mais infra-estruturas do que os seus parceiros da Península Ibérica, que apostam sobretudo na reutilização dos seus actuais estádios. O país magrebino regista ainda lacunas na sua legislação em relação à saúde e segurança no local de trabalho, aponta a AI.

Mas Portugal e Espanha também são visados nos alertas relativos à segurança no trabalho. O relatório Playing a Dangerous Game? Human Rights Risks Linked to the 2030 and 2034 FIFA World Cups, divulgado esta quinta-feira pela Amnistia Internacional, indica que ambos os países registam acidentes laborais acima da média da União Europeia e apela a Portugal para aumentar em 50% o número de inspectores do trabalho.

Marrocos é igualmente destacado pela AI, pela negativa, no capítulo dos direitos humanos. O país mantém legislação que criminaliza relações entre pessoas do mesmo sexo e que criminaliza as relações sexuais extraconjugais, facto que inibe a apresentação de queixas de violência sexual, penalizando sobretudo as mulheres.

Também a liberdade de expressão está fortemente condicionada em Marrocos, alerta a AI, que exemplifica com a criminalização das críticas ao islão, à monarquia, às instituições do Estado, às Forças Armadas e à integridade territorial do Estado, cujo resultado é a perseguição e condenação recorrente de jornalistas e de activistas.

Amnistia recorda o caso Marega

Os três países têm ainda um historial de violência policial e de racismo nos estádios, nota a AI, que recorda os casos de Vinicius Júnior em Espanha, de Moussa Marega em Portugal, e de Chancel Mbemba em Marrocos. Em 2020, 60% dos inquiridos em Portugal consideravam que existia racismo no futebol.

Por fim, a AI alerta ainda que a crise da habitação em Portugal e Espanha poderá ser agravada com a realização do Mundial de Futebol, com especial risco de despejos e de aumento de rendas nas cidades anfitriãs.

Stephen Cockburn, director da AI para a área do desporto e direitos laborais, desafiou a FIFA a assumir os seus compromissos e a fazer escolhas: “O Mundial pode ser uma fonte de dignidade ou de exploração, de inclusão ou de descriminação, de liberdade ou opressão.”

“Vamos descobrir, nos próximos anos, que escolha é que vão fazer”, acrescentou, expressando cepticismo.

Andrea Florence, directora da organização Sports & Rights Alliance, e Ambet Yuson, secretário-geral da BWI, federação sindical global de trabalhadores de construção, recuperaram o caso do Qatar, durante a conferência de imprensa desta quarta-feira, para colocar em dúvida os compromissos da FIFA para com o respeito pelos direitos humanos e a segurança dos trabalhadores envolvidos na preparação dos torneios.

Sauditas têm "historial aterrador"

O relatório publicado esta quinta-feira aponta ainda baterias à organização do Mundial de 2034 na Arábia Saudita, onde a AI reconhece que os riscos são mais graves.

“Os riscos associados à candidatura da Arábia Saudita para 2034 são de uma magnitude e gravidade completamente diferentes”, admite Cockburn. A AI assinala o “historial aterrador em matéria de direitos humanos” do país e alerta que o gasto de milhares de milhões de euros numa campanha de reabilitação da sua imagem pode “desviar a atenção do seu grave registo de abusos”.

Em relação à preparação do torneio, a AI aponta o risco de deslocações forçadas de população para a construção de infra-estruturas. Já durante a realização do Mundial, são apontados riscos para a segurança e liberdade dos adeptos, tanto sauditas como estrangeiros.

"As mulheres adeptas correm o risco de serem processadas de forma injusta e desproporcional, à luz de leis que criminalizam o sexo fora do casamento. Estas leis são frequentemente usadas para silenciar as vítimas de violência sexual e podem resultar na sua detenção por tempo indeterminado", assinala a AI.

A organização internacional de defesa dos direitos humanos alerta ainda para o uso recorrente da pena de morte, mesmo em casos de crime não violento, e recorda que 39% das pessoas executadas em território saudita entre 2010 e 2021 eram de nacionalidade estrangeira.

O relatório recomenda à FIFA que faça uma avaliação dos riscos e que exija compromissos sólidos aos países anfitriões, cujo cumprimento deve ser acompanhado por sistemas rigorosos de monitorização e por canais para apresentação de queixas e denúncias. A AI pede ainda a inclusão de organizações da sociedade civil, sindicatos, representantes dos adeptos, dos atletas e de grupos de pessoas historicamente discriminadas. No limite, considera a AI, os torneiros não deverão ser realizados se não estiverem reunidas as condições.

Texto editado por Pedro Guerreiro

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