EDP: Manuel Pinho condenado a dez anos de prisão efectiva
Ricardo Salgado foi condenado a seis anos e três meses de prisão, e Alexandra Pinho a quatro anos e oitos meses de prisão, suspensa por igual período. Foram dados como provados 1030 factos da acusação
O ex-ministro da Economia Manuel Pinho foi nesta quinta-feira condenado a dez anos de prisão efectiva por dois crimes de corrupção passiva para acto ilícito, um crime de fraude fiscal e um crime de branqueamento. O ex-governante foi ainda condenado a pagar ao Estado cerca de 4,9 milhões de euros. Já a mulher do antigo governante, Alexandra Pinho, foi condenada a quatro anos e oito meses de prisão, suspensa por igual período, pelos crimes de fraude fiscal e de branqueamento, enquanto o ex-banqueiro, Ricardo Salgado, foi condenado a seis anos e três meses de prisão efectiva, por dois crimes de corrupção activa para acto ilícito, um crime de branqueamento. Por lei as penas superiores a cinco anos não podem ser suspensas.
É a primeira vez que um antigo ministro é condenado em julgamento por corrupção no âmbito do exercício das suas funções governativas.
A juíza deu como provados 1030 dos mais de 1200 factos da acusação. Para a juíza ficou provado o "pacto corruptivo" entre Pinho e Ricardo Salgado, para que o primeiro, enquanto ministro de Economia, viesse a favorecer os interesses do Grupo Espírito Santo (GES) entre 2005 e 2009. “Manuel Pinho actuou sempre pelo interesse do BES/GES e não pelo interesse público”, sustentou.
Foi dado como provado que o ex-governante recebeu dinheiro da ES Enterprises, nomeadamente cerca de 4,9 milhões de euros, que ocultou em offshores, com o conhecimento da mulher, enquanto exercia funções no Governo.
Ficou igualmente provado que favoreceu projectos, como o da Comporta e o da Herdade do Pinheirinho. A magistrada sublinhou que Pinho "mercadejou" o seu cargo. "Sabia ainda o arguido Manuel Pinho que, ao aceitar as vantagens pecuniárias que não lhe eram devidas, mercadejava com o cargo público, pondo em causa a confiança pública", afirmou, sublinhando que o ex-banqueiro e o ex-governante "sabiam que lesavam a imagem da República e atentavam contra a confiança do cidadão" com os actos que praticaram.
Sabiam que estavam a lesar interesses do Estado
Aliás, para a juíza Ana Paula Rosa não há dúvidas de que as estruturas financeiras criadas por Pinho para receber o dinheiro do GES serviram para "apagar o rasto" do circuito do dinheiro e dos seus beneficiários. Assim como não há dúvidas de que Alexandra Pinho tinha conhecimento da origem e da ocultação das contrapartidas financeiras que o marido estava a receber. Sublinha a magistrada que ambos "agiram por acordo e por conjugação de esforços, sabendo que lesavam os interesses patrimoniais do Estado". "Agiram sempre de forma livre e consciente”, disse.
Acresce que, segundo a magistrada, "bem sabia Manuel Pinho que os pagamentos de 15 mil euros não correspondiam ao pagamento do prémio". “Isto não era um prémio, mas sim uma contrapartida ilícita pelas funções que iria desempenhar", referiu, para a seguir dizer que a versão dos factos que o ex-governante apresentou no início do julgamento "não convenceu o tribunal”.
“As justificações apresentadas pelo arguido Manuel Pinho, entendeu o tribunal, são inverosímeis, incoerentes e ilógicas. Manuel Pinho apresentou justificações apenas enquadradas numa realidade virtual. O arguido Manuel Pinho procurou normalizar e branquear as quantias recebidas pelo BES", afirmou a magistrada, que, pelo menos, no que diz respeito à pena aplicada ao ex-governante, foi mais além do que pediu o Ministério Público (MP).
Durante as alegações finais, a 6 de Maio, o procurador do MP, Rui Batista, tinha pedido que Manuel Pinho fosse condenado a uma pena de prisão não inferior a nove anos, Ricardo Salgado a uma pena de seis a sete anos de prisão e Alexandra Pinho a quatro anos, mas suspensa por igual período.
"O que é relevante do nosso ponto de vista nestes crimes é a censura criminal. Não são crimes de impulso. São crimes ponderados, de estratégia económica e de risco. Neste caso, é relevante uma pena que tem de garantir a censurabilidade e que o crime não compensa", afirmou o procurador Rui Batista, para justificar as penas pedidas nas alegações finais do julgamento.
Situação "grave do ponto de vista criminal"
Para o MP, o facto de o ex-ministro da Economia ter recebido 500 mil euros dois meses depois de entrar para o Governo, e depois 15 mil euros por mês durante quatro anos, era prova de um pacto corruptivo com Ricardo Salgado.
“O mais grave do ponto de vista criminal é que, durante o período em que exerce funções públicas, está a receber estes valores de uma entidade privada”, sublinhou o procurador, acrescentando que Pinho “lesa imediatamente o bem jurídico dos crimes relacionados com estatutos públicos”. “A gravidade é esta: alguém que exerce funções públicas recebe dinheiro de entidades privadas”, afirmou na altura.
Depois de a juíza ter lido uma súmula da decisão, uma vez que tem mais de 700 páginas, à saída do tribunal, Francisco Proença de Carvalho, advogado de Ricardo Salgado, disse que ia recorrer da pena aplicada ao seu cliente. “O tribunal condenou alguém que já não existe", afirmou, sublinhando que "a defesa discorda e considera a decisão duplamente injusta, porque desconsidera tudo o que se passou ao longo de meses no tribunal e desconsidera a prova, claramente”.
O advogado disse que considera a decisão “injusta" e que, mais do que punir o arguido, "está a punir a família dele, a mulher e cuidadora dele". “É até uma ofensa o tribunal dizer que o meu cliente se remeteu ao silêncio, por força da doença de Alzheimer”, disse, sublinhando: "Na justiça portuguesa já não posso fazer grandes prognósticos, mas numa justiça democrática e respeitadora dos direitos humanos, alguém que tem esta doença e que daqui a três semanas vai fazer 80 anos, obviamente, não pode cumprir pena e a lei diz expressamente que a pena tem de ser suspensa.” “Não quero acreditar que é por essa pessoa se chamar Ricardo Salgado que terá um direito diferente", sublinhou.
Ricardo Sá Fernandes, advogado de Manuel Pinho, por sua vez, disse que "já interpôs recurso" e que só faltava apresentar a motivação dos factos, considerando que o seu cliente foi condenado a "uma pena muito pesada". "O tribunal reportou-se a uma realidade virtual. Assentou esta condenação em presunções mal extraídas, mal concebidas e que resultam de preconceitos com que se abordam este assunto", sublinhou.
Perante uma "sentença tão má e tão mal construída", considerou que talvez isso "facilite o recurso" da defesa para o Tribunal da Relação de Lisboa. "Acredito que, se tivermos sorte na Relação e o processo for distribuído a quem olhe e avalie, possamos reverter a decisão", disse o advogado, afirmando estar "confiante que pode dar a volta a este resultado negativo ao intervalo". Ricardo Sá Fernandes disse que Manuel Pinho "não foi corrompido" e que a decisão do tribunal é "exemplarmente má porque está mal fundamentada". Porém, no final, deixou uma nota: "O combate à corrupção não é isto e a justiça não se pode transformar num jogo em que os preconceitos vencem."
Já Manuel Pinho considerou que o tribunal o condenou "com base em convicções" e que ignorou totalmente os depoimentos das 120 testemunhas apenas para “evitar um terramoto na justiça”. "O que se passou aqui não tem rigorosamente nada que ver com a sentença", disse, sublinhando que seria muito complicado para a justiça absolvê-lo num processo cujo inquérito já vem desde 2012 e em que está há quase dois anos e meio em prisão domiciliária. "Tenho a certeza absoluta de que depois dos recursos chegarão à conclusão de que não cometi nenhum crime", afirmou.