Siluro, o enorme peixe predador no Tejo: “Isto vai ser uma gestão para sempre”

Espécie invasora proliferou nos últimos anos, ajudando à diminuição dos peixes nativos do Tejo. Projecto europeu está a testar formas de pesca para controlar as populações deste predador de topo.

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O siluro pode atingir mais de dois metros de comprimento Fish Invasion Lab/Mare/FCUL
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A biologia do peixe-gato-europeu, também conhecido como siluro (Silurus glanis), tem alguns números que enchem o olho. Este animal pode atingir 2,8 metros de comprimento, pesar 120 quilos e chegar aos 70 anos de idade. As fotografias de alguns pescadores a segurar grandes siluros, maiores do que eles próprios, como se fossem troféus, transmite a imponência daqueles peixes. Na época de reprodução, as maiores fêmeas podem chegar a depositar 350.000 oócitos para serem fecundados. Um número que denota a extrema fertilidade deste peixe e ajuda a perceber o problema com que os biólogos se deparam em Portugal com esta espécie exótica.

“No rio Tejo, em termos percentuais, a cada ano que passa temos mais 1% de espécies invasoras e menos 1% de espécies nativas”, diz ao PÚBLICO Filipe Ribeiro, biólogo da conservação e especialista dos sistemas fluviais do Centro de Ciências do Mar e do Ambiente (Mare), na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL). “Alguns destes peixes predadores, como o caso do siluro, acabam por se alimentar de peixes nativos. Há um efeito que não pode ser negligenciado”, afirma.

Filipe Ribeiro está a trabalhar em vários projectos, um deles a nível europeu – o Life-Predator –, para estudar a ecologia do siluro e encontrar metodologias que ajudem a controlá-lo nos habitats em que o peixe se tornou um problema. O projecto, financiado pelo Programa Life da Comissão Europeia, iniciou-se no final de 2022 e termina em 2027, e tem como objectivo diminuir as populações daquele peixe em áreas protegidas. Mas não é uma tarefa fácil.

Um peixe sem limites

O peixe-gato é um grande predador. Na sua área nativa de distribuição, entre o Sul da Suécia e o Norte da Turquia, e entre a Alemanha e o Cazaquistão, o peixe evoluiu ao longo de milhares de anos com outros animais. Por isso, aqueles ecossistemas estão preparados para os seus comportamentos, há um equilíbrio. Além dos outros animais saberem que têm de fugir do siluro, existem mais espécies predadoras que competem com o peixe e o atacam enquanto ele é jovem. Isto permite um controlo do animal, que não se torna nefasto.

O problema é que a espécie foi espalhada pela mão humana para outras regiões, em ecossistemas que não estão preparados para um grande predador. Na Europa, há actualmente siluros em França, na Grécia, em Itália. Mas países como a Tunísia, o Brasil e a China, de outros continentes, também têm populações deste animal.

Na Península Ibérica, a espécie foi levada a meio da década de 1970 para o rio Ebro. Depois, foi transportada para um curso de água na região de Madrid, que faz parte da bacia do Tejo. Pensa-se que terá chegado entre 2006 e 2008 à parte portuguesa do Tejo, embora o primeiro artigo científico a confirmar a sua existência ali seja de 2014. Entretanto, já surgiram siluros no rio Douro, na albufeira de Meimoa, junto à serra da Malcata, e há ainda dois registos de siluros feitos por pescadores desportivos na albufeira de Montargil.

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Um siluro capturado em Castelo Branco, com 30 quilos e 1,7 metros, por investigadores do Mare Rui Gaudêncio

Mas por cá, em ecossistemas fluviais onde naturalmente não se desenvolveram predadores, o siluro não tem limites. “Os nossos peixes nativos – como a boga, o escalo ou o barbo – quando vêem um predador, não conseguem reconhecer um perigo, porque não tiveram uma história evolutiva de convivência. São presas fáceis”, resume Filipe Ribeiro. Tudo isto resulta numa grande proliferação do siluro, que está bem adaptado a um ambiente mais quente, onde “tem maiores taxas de crescimento”, refere o biólogo, e por isso maior necessidade de alimento.

No contexto do projecto Megapredator, liderado pelo Mare e pelo Instituto Superior Agrário de Santarém (ver caixa), financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), e que está a ser finalizado, foram analisados 261 peixes-gatos para perceber do que se alimentavam. O estudo foi feito no troço do rio Tejo entre Vila Franca de Xira e Abrantes. “Das 36 espécies de peixes que existem neste troço fluvial, só cinco espécies é que não foram detectadas no estômago dos siluros. É um predador muito generalista”, constata Filipe Ribeiro.

O biólogo relata que, recentemente, dois pescadores profissionais passaram cinco dias a pescar siluros na zona do Tejo Internacional, chegando ao fim da pequena temporada com 1750 quilos de peixe capturado. Dentro do seu manjar, também estão espécies migradoras como a lampreia, a enguia-europeia e o sável, que em Portugal estão em risco de extinção. Tudo isto torna o peixe-gato um bom exemplo do grande problema das espécies invasoras, que podem ter um impacto desmedido.

Aperfeiçoar as técnicas

Como, então, lutar contra este predador? “Temos de olhar os recursos que temos e escolher as batalhas”, responde Filipe Ribeiro. “O rio Tejo em Portugal tem mais de 200 quilómetros. Fazer um controlo populacional em cada um dos locais não é financeiramente, operacionalmente, possível. Por isso, temos de nos focar nos parques naturais e nos locais onde o siluro poderá ter mais impacto nos peixes com elevado valor comercial.”

Esse é um dos principais objectivos do projecto Life-Predator, liderado pelo Conselho Nacional de Investigação, em Itália, e com outros institutos italianos, e que conta ainda com investigadores do Centro de Biologia da Academia das Ciências, da República Checa. O projecto quer reduzir 90% da biomassa de peixes-gatos em cinco pequenos lagos isolados que fazem parte da Rede Natura 2000, 50% no caso de pequenas reservas de água e 10% em grandes lagos e albufeiras.

“A quantidade de efectivos de siluro já é tão grande, que tem de ser um esforço muito grande de pesca para surtir efeito, pelo menos para baixar a população”, diz Rui Pedro Rivaes, investigador do Mare, que integra o Life-Predator e está a liderar o estudo para testar os diferentes métodos de pesca na captura do siluro.

“Temos estado a implementar combinações de diferentes técnicas, com redes de diferentes malhas e o uso de palanques, que são linhas anzoladas em que se pesca com isco vivo ou morto”, explica o investigador, que veio da engenharia florestal e actualmente faz investigação em restauro e gestão fluvial. No que toca às redes de pesca, os investigadores já descobriram que o ideal são malhas superiores a 20 centímetros, capazes de capturar os siluros, mas que deixam passar os peixes nativos dos rios portugueses.

No último ano, a equipa esteve a monitorizar a população em quatro locais que pertencem a zonas protegidas: nas albufeiras de Belver e Fratel, no rio Tejo, na albufeira de Cedillo, no Tejo internacional, e na albufeira de Meimoa, situada no Reserva Natural da Serra da Malcata. Este Verão, vão começar a colocar as artes de pesca que andaram a estudar para, nos próximos anos, avaliarem o resultado. Haverá pescadores profissionais contratados para fazer este trabalho. Depois, comparando as populações de peixe-gato antes e depois da colocação das artes de pescas, é possível compreender se estas técnicas conseguem controlar a espécie invasora e, ao mesmo tempo, provocar a recuperação das espécies nativas.

“Só aí é que se vai perceber se efectivamente o esforço de pesca foi suficiente ou não”, diz Rui Pedro Rivaes. “Se sim, então fazemos esta transferência de conhecimento para os técnicos do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), para os intervenientes locais, para poderem implementar isto em termos de gestão de áreas protegidas”, adianta, por sua vez, Filipe Ribeiro.

À espera de uma solução

Parte do trabalho é também alertar a população acerca do perigo ecológico do siluro. A albufeira da Meimoa é um exemplo clássico de um dos grandes problemas associados à sua dispersão. “Sabemos perfeitamente que o siluro foi levado do rio Tejo para a albufeira de Meimoa. É totalmente contra a lei portuguesa. Mas não é um crime ambiental, infelizmente”, afirma Filipe Ribeiro.

Segundo os inquéritos que a equipa já fez, nem os pescadores profissionais nem os lúdicos têm qualquer interesse no peixe-gato. Há apenas uma minoria de pescadores desportivos que olha para o siluro como um troféu de caça e valoriza a espécie. “São estas pessoas que têm de ser trabalhadas. Devia haver uma maior presença dos agentes de fiscalização no terreno, direccionado a este grupo de pessoas, para mostrar que não podem transportar os peixes do rio Tejo para outra albufeira”, defende Filipe Ribeiro.

Esta componente de travar o comportamento daquele grupo faz também parte de um Plano de Acção para o Controlo do Siluro em Portugal, feito pelo Mare para o ICNF, que foi concluído em 2022. “O plano propôs diferentes soluções de gestão, foram discutidas internamente por todos os técnicos do ICNF a nível nacional”, refere Filipe Ribeiro, explicando que a ideia é que ele reverta para uma Resolução de Conselho de Ministros. No entanto, a queda do Governo de António Costa em Novembro último atrasou a resolução. Agora, espera-se que o novo Governo de Luís Montenegro a aprove.

Enquanto isso, o siluro vai proliferando nos rios portugueses à custa das espécies endémicas que lá vivem, aguardando uma solução. “Isto vai ser uma gestão para sempre. Enquanto sociedade, temos de combater a degradação ambiental”, diz Filipe Ribeiro. “Se queremos manter os rios com valores naturais e únicos, temos de os gerir.”

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