Depois de Pôr do Sol, há um (25 de Abril) Sempre na RTP e na Amazon

Nova série de Manuel Pureza é uma carta de amor à revolução com ficção e testemunhos reais. “Gosto mais do 25 de Abril do que do Natal”, diz o produtor, argumentista e realizador.

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A série Sempre estreia-se esta sexta-feira na RTP1 e na Amazon Prime Video Carolina Frazão/Coyote Vadio
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“Este é o projecto mais importante que já fiz na minha vida.” Manuel Pureza, produtor, argumentista e realizador que presidiu à série Pôr do Sol, um fenómeno que originou filme e deixou lastro na cultura popular portuguesa, começa assim a falar de Sempre, que se estreia esta sexta-feira na RTP1 e na Amazon Prime Video — porque esta é uma colecção de histórias sobre o 25 de Abril e sobre a liberdade. “Gosto mais do 25 de Abril do que do Natal”, ri-se ao telefone com o PÚBLICO, carregado de memórias de família, de desejo de deixar legado aos filhos e de esperança de gerar conversas e reflexão entre os espectadores.

A conversa decorre durante a sesta das suas crianças. “Tenho três filhos, portanto interessava-me deixar coisas bem-dispostas, como o Pôr do Sol”, exemplifica, mas também lhe interessava “o enorme desafio” de mudar de registo e, com solenidade, homenagear a revolução dos cravos.

Estes seis episódios, que se estreiam ao ritmo de um por semana no canal convencional e todos de uma vez na Prime Video (apenas no mercado português), para depois passarem também a estar em streaming gratuito na RTP Play, são histórias independentes mas de vidas que se cruzam, nem que seja fugazmente, entre 24 e 26 de Abril de 1974. Gabriela Barros, por exemplo, passa em fundo no primeiro episódio, mas é a protagonista do quarto.

Na base deste salto da comédia, género que tornou a produtora Coyote Vadio mais conhecida, para o drama há “a inquietação constante de não se querer deixar rotular. E de andar à procura da minha voz”, explica o realizador de todos os episódios. É pessoal, isto de Abril e de contar histórias.

Há muito que carregava esta “carta de amor” consigo sem a pôr no papel. A escrita, partilhou-a depois com David Neto, Luís Filipe Borges e Luís Lobão. Entre os consultores da série, juntamente com a jornalista Diana Andringa, o coronel Nuno Andrade, o general Pezarat Correia ou o historiador Fernando Rosas, está o sociólogo e dirigente do Bloco de Esquerda José Manuel Pureza, por exemplo — o pai do realizador tinha 16 anos quando findou a ditadura. Na apresentação da série, em Lisboa, vários capitães de Abril compareceram. O agora coronel Nuno Santos Silva, que esteve na tomada do Rádio Clube Português na madrugada de 25 de Abril, deu-lhe um grande abraço. “Isto não se passou exactamente assim, mas foi muito parecido”, disse o militar a Manuel Pureza, cujo orgulho se sente na voz.

Um dos episódios passa-se dentro do Rádio Clube Português e corresponde à perspectiva de um estagiário que de repente se torna testemunha da História de Portugal. Outro cria uma trama em torno do cerco ao Quartel do Carmo e outro ainda é visto do interior do quartel. Há uma grávida de termo revolucionária, um cantautor que regressa do exílio perante rumores da iminente revolução, um estudante dividido entre proteger um PIDE que resiste mesmo quando Marcelo Caetano já deitou a toalha ao chão. A direcção de produção é de Andreia Esteves, pedra basilar da Coyote Vadio.

Na carta de intenções informal deste projecto há também a vontade de dar protagonismo a actores “que na sua maioria ainda não tiveram a oportunidade certa para mostrar o quão incríveis são”. Pôr do Sol tinha os seus talismãs, como Manuel Cavaco, por exemplo, mas aqui brilham os jovens como Miguel Mateus e Rita Rocha Silva, por exemplo, ou os veteranos mais ligados ao teatro num elenco que inclui Leonor Silveira, Marco d’Almeida, António Durães, Dinarte Branco, Natalina José, Rita Loureiro ou Rodrigo Saraiva. “Quisemos que fosse uma coisa de grupo, porque o 25 de Abril é uma memória de um tempo que se sonhava em conjunto”, remata Manuel Pureza.

Cada episódio tem o título de canções emblemáticas como Inquietação, Canção de embalar, A morte saiu à rua ou Trova do vento que passa, e cerca de 40 minutos de duração. Começa com uma fotografia ou um vídeo dos dias de 1974 — mas há depois mais cinco minutos de pura realidade, com entrevistas com jornalistas como Fernanda Mestrinho ou Adelino Gomes, historiadores como Irene Flunser Pimentel ou músicos como Sérgio Godinho.

No final do segundo episódio, Diana Andringa recupera o que viveu na prisão, com uma camarada com quem trocava histórias e, de quando em vez, gargalhava em conjunto. Os guardas abriam o postigo da cela para lhes dizer uma frase típica de uma ditadura: “É proibido rir.” A resposta das reclusas era: “Prenda-nos.” Afinal, o salto entre a comédia e o drama não é assim tão longo e mede-se pelas sílabas da palavra "liberdade".

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