PS ganha batalha do IRS, AD dramatiza e fala em “cheringonça”

PS consegue aprovar descida do IRS com apoio da esquerda e IL, e a abstenção do Chega. Iniciativa do PSD e CDS chumbou. Redução vai até ao sexto escalão mas abrange todos os contribuintes.

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O PSD e o CDS colocaram a votação um texto que substitui a proposta original do Governo de Montenegro Rui Gaudêncio
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A maioria da oposição fez cair a redução do IRS proposta pelo PSD e pelo CDS-PP e aprovou a iniciativa do PS, que baixa as taxas dos primeiros seis escalões. É uma versão diferente da colocada em cima da mesa pelo Governo e dos partidos que suportam o executivo minoritário de Luís Montenegro, que previa uma descida das taxas nos oito primeiros degraus.

Perante este resultado, os socialistas apressaram-se a reclamar vitória, alegando que é a eles que se deve toda a redução do IRS deste ano. A AD dramatiza o chumbo da sua proposta alegando que se está a construir uma cheringonça.

Na votação na especialidade que decorreu esta manhã no Parlamento começou por ser apreciado o texto que os partidos da Aliança Democrática (AD) apresentaram em substituição à proposta de lei original do Governo. E, no xadrez parlamentar, o posicionamento do Chega foi decisivo para o chumbo. O PS, o Livre, o PCP e o BE votaram contra a alteração e o Chega absteve-se, o que fez com que a iniciativa não obtivesse o número de votos a favor suficientes para passar. Só contou com os votos favoráveis dos dois proponentes (PSD e CDS-PP) e da Iniciativa Liberal.

Seguiu-se uma discussão acesa. E, mais tarde, a votação da proposta do PS, que acabou por ser aprovada com os votos a favor do PS, BE, PCP, Livre e da Iniciativa Liberal. O Chega absteve-se. Só o PSD e o CDS-PP votaram contra. A alteração à tabela do IRS traz uma descida de taxas nos seis primeiros escalões de rendimento, e não nos oito primeiros, como propunham o PSD e o CDS-PP.

A mudança em relação à tabela actual terá efeitos ainda em 2024: a nova tabela será aquela que servirá de base ao cálculo do IRS sobre todos os rendimentos de 2024, de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro, para apurar o IRS durante a entrega das declarações em 2025, relativas a este ano.

Embora a descida das taxas não aconteça no sétimo, oitavo e nono escalões, os contribuintes que têm rendimentos abrangidos pelas taxas destes degraus também beneficiam do desagravamento fiscal, uma vez que o IRS é calculado de forma progressiva. Havendo uma descida nos degraus inferiores, ela também chega a quem tem rendimentos mais altos (porque o rendimento é fatiado e tributado degrau a degrau de acordo com a respectiva taxa).

Apesar da derrota na questão das taxas do IRS, a coligação que suporta o Governo conseguiu fazer aprovar algumas medidas incluídas no texto de substituição.

Uma delas é uma regra que fará com que, a partir de 2025, os escalões sejam sempre actualizados anualmente de acordo com a taxa de inflação e da produtividade (medida pelo PIB real por trabalhador) publicada pelo INE no terceiro trimestre do ano anterior.

Também foi aprovada uma norma que vincula o Governo a avaliar, até à apresentação da proposta de Orçamento do Estado para 2025, a possibilidade de indexar ao Indexante dos Apoios Sociais (IAS) o valor das deduções específicas que isentam uma fatia do rendimento dos trabalhadores dependentes e pensionistas, que está congelado há vários anos.

Uma terceira obriga o executivo a ponderar o alargamento da dedução dos juros dos créditos à habitação (o que poderá levar à extensão da medida aos proprietários que celebraram contrato com o banco desde 1 de Janeiro de 2012, porque este universo encontra-se excluído).

"Conluio", acusa o PSD

Logo depois do chumbo da proposta da AD, o deputado do PSD Hugo Carneiro tomou a palavra para dizer que o resultado mostra que há um “conluio” entre o PS e o Chega e criticou a oposição dizendo que o desagravamento fiscal pensado pela AD é “muito maior” e que, no figurino de descida das taxas dos primeiros oito degraus, 70% da redução dirige-se a quem está nos cinco primeiros escalões.

O tom de dramatização da AD acentuou-se pela voz do líder parlamentar do CDS-PP, Paulo Núncio, que carregou nas críticas, dizendo que os partidos da oposição estão a bloquear o trabalho dos partidos do Governo.

Núncio diz que, “mais uma vez houve uma coligação negativa” do PS e do Chega e, numa analogia com o momento em que o PS contou com os votos dos partidos à esquerda durante a primeira parte da governação de António Costa, descreveu este momento agora como uma “cheringonça”. É a “'cheringonça' no seu esplendor e a política portuguesa no seu pior”, rematou.

O deputado do PS Carlos Pereira considerou o resultado positivo, porque a proposta da AD “beneficiava 10% dos que mais ganham”. “A proposta não foi aprovada” e “ainda bem que não foi aprovada”, disse, considerando que a tabela alternativa do PS é diferente. E falando já como se o projecto do PS fosse vingar, disse que as propostas aprovadas “são diferentes daquelas que o PSD gostaria.”

Pouco depois, já com o projecto do PS aprovado, Carlos Pereira reclamou a paternidade socialista de todo o desagravamento de 1500 milhões de euros que os contribuintes vão sentir este ano em relação a 2023. Ou seja, a descida de 1191 milhões de euros (já em aplicação) que resulta do Orçamento do Estado, e da nova redução agora aprovada, que se estima ser de 348 milhões de euros.

Logo a seguir, o deputado do Chega Rui Afonso chamou também ao seu partido essa responsabilidade. "Se está aprovada é devido ao Chega", por causa da sua abstenção, alegou, respondendo ao centrista Paulo Núncio que os portugueses "não querem saber a cor política" das medidas que os beneficiam. "A proposta do PS é mais corajosa que a da AD", justificou.

Antes, Rui Afonso defendera-se das críticas da AD apostando contra a vitimização do principal partido da coligação, o PSD. “O tripartidarismo funciona muito melhor do que o bipartidarismo”, descreveu, dizendo ainda que quando o PSD começou com a estratégia de “não é não” ao Chega, isso significa que esse “não é não” é “para tudo” e implica arcar com as “consequências” da opção política anunciada por Montenegro.

À esquerda do PS, o deputado do Livre Jorge Pinto confirmou que houve contactos com o PSD, que o Livre agradece por ser uma “boa prática”, mas lembrou que “os contactos servem de pouco quando as visões para o país, incluindo a nível fiscal, são tão distintas.”

A bloquista Joana Mortágua apontou a incoerência do PS por ter votado a favor dos projectos do BE na generalidade e agora os ter chumbado - previam o alargamento da dedução dos encargos dos juros do crédito à habitação no IRS, e o aumento da dedução específica que isenta de tributação uma fatia do rendimento dos trabalhadores dependentes e pensionistas.

O deputado da IL Mário Amorim Lopes atirou-se ao PCP por querer tributar mais alguns dos rendimentos, o que levou a líder parlamentar comunista Paula Sá a defender que “para quem tem rendimentos muito elevados deve haver englobamento.”

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