De que vale um voto nas eleições europeias?
Usemos a metáfora do comboio. Votar é fazer Lisboa-Porto de transportes públicos.
Num vídeo do Parlamento Europeu, amplamente difundido nas redes sociais, avós partilham com os netos memórias da Segunda Guerra Mundial. A mensagem é clara e até comovente – a democracia não é um dado adquirido, usa o teu voto. Votar nas eleições europeias é um direito e um dever, é uma demonstração de gratidão por aqueles que lutaram para que hoje a democracia seja tão plena que quase a julgamos inabalável, votamos porque se não o fizermos outros escolherão por nós (e sabe deus que escolha será essa!). Argumentos que, não sendo de somenos, parecem pouco para responder à questão: de que vale o meu voto nas eleições para o Parlamento Europeu?
A 9 de Junho somos chamados a votar em listas de partidos nacionais para eleger 21 eurodeputados. Durante os próximos cinco anos, estes 21 vão sentar-se no Parlamento Europeu em diferentes grupos consoante a sua cor política. Em maioria está o Partido Popular Europeu que integra os eurodeputados da atual AD e os Socialistas & Democratas onde estão os do PS. Outros grupos minoritários incluem os Liberais, a Esquerda Europeia ou os Verdes. Mas que diferença faz um voto mais à esquerda ou mais à direita? Quanto impacto pode ter um eurodeputado? São estas as perguntas a que tentei responder para me convencer de que o meu voto vale a pena.
As negociações no Parlamento Europeu têm um impacto direto na vida quotidiana. Mais de metade das leis nacionais são plasmadas de decisões europeias, mas entre a cruz que deixo na urna e essas leis de "origem europeia" que vigoram em Portugal há uma black box, uma caixa negra de negociações e procedimentos que extenuariam o melhor dos burocratas que, de fora, quisesse perceber como tudo isto funciona. Não nos detenhamos neste processo. Com o nosso voto não podemos prever como é que aqueles que elegemos vão conduzir negociações concretas ou navegar procedimentos complexos, tampouco saber em detalhe que temas estarão em cima da mesa nos próximos cinco anos. Ao votar estamos antes a indicar a nossa inclinação, a escolher entre várias, a visão do mundo que melhor nos representa.
Usemos a metáfora do comboio. Votar é fazer Lisboa-Porto de transportes públicos. Não consigo ir de porta a porta a qualquer hora, mas posso o escolher o horário mais conveniente, de e para o sítio mais acessível ao menor custo. De caminho, partilho a carruagem com quem talvez não goste ou com quem discorde, mas sigo confortável rumo a bom porto. Ao votar nas europeias, escolho o sentido do comboio, isto é, para que lado penderá mais cada negociação. Se me abstiver, o comboio seguirá caminho com ou sem mim. Se vários potenciais passageiros fizerem o mesmo, talvez suprimam a linha ou o desviem para Évora se muitos outros votarem nesse sentido. A experiência gastronómica será excelente em ambos os destinos, mas valerá a pena arriscar chegar aonde não queremos? Vale a pena não votar?
E se votar? Um voto a mais ou a menos pode ditar a eleição de um eurodeputado em vez de outro – literalmente. E um bom eurodeputado faz toda a diferença. Como? Os resultados das votações no Parlamento Europeu dizem-nos pouco sobre o que realmente importa: quanto do texto aprovado foi moldado num sentido ou noutro durante a negociação. Nas votações finais o consenso é, regra geral, alargado e entre grandes maiorias de pouco ou nada serve um voto contra. Uma boa eurodeputada ou eurodeputado é aquela ou aquele que tem um contributo ativo para estas maiorias. Que faz as perguntas certas e conquista a confiança dos pares, que percebe o que é fundamental para Portugal e encontra compromissos que conjuguem o interesse nacional e o interesse europeu com o dos demais Estados-membros, que cede mas só concede trocar o seu voto por ver a sua posição refletida no texto final.
Votar nestas europeias é, por isso, também escolher, dentro das opções limitadas que temos, os que melhor conduzem o comboio que estamos prestes a apanhar. Usa o teu voto.
A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico