O areal das praias portuguesas diminuiu nos últimos meses: o que aconteceu?

Houve uma diminuição do areal das praias portuguesas no Inverno, mas a Agência Portuguesa do Ambiente refere que “pode ser considerada natural e normal” devido à ocorrência de várias tempestades.

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A Costa de Caparica é um dos exemplos dados pela APA para a diminuição de areal verificada este ano nas praias em Portugal Tiago Bernardo Lopes
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Observando muitas praias em Portugal, poder-se-ia logo afirmar que perderam areal nos últimos meses, mas é mesmo assim? Sim, no geral, as praias portuguesas tiveram uma redução do seu areal durante o Inverno, indica ao PÚBLICO a Agência Portuguesa do Ambiente (APA). Quantos aos motivos, a APA nota que a redução “pode ser considerada natural e normal”, devendo-se ao elevado número de tempestades. A sua recuperação pode levar algumas semanas ou meses, mas a erosão costeira já existente em alguns troços pode tornar mais difícil e prolongado esse processo.

Os resultados indicados provêm de dezenas de observações no terreno feitas pelos técnicos na APA e, por vezes, de medições de meios topográficos com recurso a GPS e a drones. Desta forma, verificou-se que “a generalidade das praias portuguesas sofreu uma redução da sua largura e volume de sedimentos no decorrer do último Inverno marítimo”, indica-se numa resposta enviada pela APA ao PÚBLICO, em que se questionava, se, de facto, tinha existido uma diminuição do areal das praias.

Sem indicar valores para essa diminuição, a agência indica que, por exemplo, quanto à diminuição do areal, se destacam praias como as de Pedrinhas e de Cedovém (Esposende); Furadouro (Ovar); Cova Gala (Figueira da Foz); Costa de Caparica (Almada); e do Forte Novo e de Vale do Lobo (Loulé).

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A Cova Gala é uma das praias que perdeu areal no Inverno Paulo Pimenta

O grande motivo para a redução generalizada do areal das praias foi a elevada frequência de tempestades verificadas no Inverno marítimo (o que corresponde às estações do Outono e Inverno), o que tem tendência para amplificar os processos na praia emersa – isto é, na parte da praia que, normalmente, não está coberta por água. “Durante este Inverno, verificaram-se várias tempestades consecutivas, limitando assim o período típico de recuperação da praia, tendo predominado os episódios de transferência sedimentar dirigidos para o mar (offshore)”, refere-se na resposta da APA.

A agência esclarece ainda que a redução do areal “pode ser considerada natural e normal” para esta altura do ano e que faz parte do ciclo evolutivo sazonal das praias. E como é que funciona esse ciclo? No geral, em resposta aos temporais, há uma perda de sedimentos da praia emersa – a tal parte que é visível. Esses sedimentos acabam por viajar para a porção submarina, a parte imersa da praia, e contribuir para a formação de um ou mais bancos de rebentação. Isto é, dizendo de uma outra forma, no Inverno marítimo, debaixo de água, vão formar-se barras submarinas (uma espécie de elevações de areia), onde rebentam as ondas.

A areia acumulada não se vai perder. No Verão, vão ser esses bancos de rebentação que ajudarão na recuperação do areal da praia. Nessa altura do ano, as tais elevações formadas no Inverno “desmancham-se” e a areia acaba por ir para a parte visível da praia. No último Inverno, como houve vários temporais, formaram-se mais dos tais bancos (ou elevações), tendo havido mais dificuldade em “desfazê-los” e assim recuperar a parte visível desses locais. Daí se ter verificado um efeito acumulado da redução do areal na generalidade das praias portuguesas.

A APA esclarece que o processo de recuperação morfológica e volumétrica das praias “é lento e gradual” e que a rapidez (ou não) do processo dependerá das características dos temporais, do estado da praia antes da ocorrência ou do surgimento de mais temporais.

Um cenário “bastante plausível”

Rui Taborda, professor na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, diz ao PÚBLICO que “o cenário colocado pela APA é bastante plausível porque a agência faz uma boa monitorização”. O especialista em geologia costeira dá como exemplos dessa recuperação a tempestade Hércules, que ocorreu em 2014. A Hércules foi uma tempestade que teve muito impacto nas praias e chegou-se a pensar que muita delas não recuperassem da redução do areal que se verificou, mas “a maior das praias encaixadas na região de Lisboa recuperou”.

E está a redução do areal verificada este ano ligada à erosão costeira? A agência clarifica que a diminuição da extensão da areia na praia “não tem de estar necessariamente ligada à situação da erosão costeira”, ou seja, ao recuo da linha da costa que pode estar associada à perda de território. A erosão costeira pode ter uma origem natural ou humana e ter como causas obras de engenharia pesada em certos locais da faixa costeira, a subida do nível do mar ou a diminuição do volume de sedimentos fornecidos ao litoral pela rede fluvial.

A redução do areal visível nas praias e a erosão costeira são fenómenos que podem estar associados, mas nem sempre estar directamente ligados. Mesmo assim, sabe-se que a erosão já verificada em alguns troços costeiros em Portugal pode tornar mais difícil e lento o processo de recuperação da extensão do areal nas praias.

A APA indica que, nas próximas semanas e meses, as praias deverão recuperar, sem intervenções, os volumes de areia que se perderam tanto natural como artificialmente. Desta forma, espera-se que a largura dos areais aumente para “valores considerados médios para o período do Verão”, com praias mais robustas do que se pode observar actualmente.

Questionada sobre medidas que serão postas em prática para minimizar os impactos da diminuição do areal nas praias, a APA indica que, para certos troços costeiros com tendência erosiva de longo prazo, se prevê a realização, em 2025 e nos anos seguintes, de várias intervenções de alimentação artificial que mitiguem os efeitos desse fenómeno e do seu risco associado.

Rui Taborda assinala que há já praias em Portugal cuja perda de área é já relevante e em que não há uma recuperação do areal. “Há sítios, como a sul de Espinho, em que não há recuperação no Verão e esse recuo [do território] é preocupante”, nota. O especialista em geologia costeira salienta que a APA já está a tomar algumas medidas nesses locais.

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