Cometer um crime para combater um crime? A pena de morte não faz sentido
Foi no ano passado que se registou o número mais baixo de países que praticaram execuções. Foram 16, o que revela um pequeno avanço. Por outro, 2023 trouxe o maior valor de execuções desde 2015.
Todos os anos, a Amnistia Internacional publica o seu relatório global sobre a pena de morte, analisando o número de execuções e as novas sentenças de morte nos vários países do mundo, assim como os motivos que estão na base deste tipo de punição cruel e vingativa. A urgência do fim desta prática – que ceifa milhares de vidas – é evidente. Renovamos assim o compromisso em não baixar os braços até que a pena capital seja coisa do passado em todo o mundo.
O ano 2023 foi mais um em que se mantiveram os braços firmes, a afirmar que a pena de morte não é justiça, é vingança.
Por um lado, foi no ano passado que se registou o número mais baixo de países que praticaram execuções. Foram 16, o que revela um pequeno avanço. Por outro, 2023 trouxe o maior valor de execuções desde 2015. Isto claro, sem contarmos com a China, país que mantém secreta a informação relacionada com as condenações à pena de morte e as execuções. A nível global, a Amnistia Internacional contabilizou 1153 execuções, o que representa um crescimento superior a 30% em relação a 2022 e serão números que pecam por defeito. Houve ainda um aumento de 20% no número de sentenças de morte decretadas globalmente em 2023, somando um total de 2428.
Não é, por isso, o momento de baixar braços. É momento de reforçar a luta até que estes valores se estabilizem no zero.
Um país que fortemente contribuiu para o aumento do número internacional de execuções foi o Irão, onde a pena capital é usada como instrumento de medo e repressão. O total de 853 pessoas executadas pelas autoridades iranianas em 2023 reflete um crescimento de 48% em relação a 2022, no qual 576 pessoas tinham sido vítimas de execução. Um outro dado desolador é que, apesar da minoria étnica baluchi só corresponder a cerca de 5% da população iraniana, 20% das execuções praticadas em 2023 neste país foram de indivíduos pertencentes a esta minoria. Além disso, 545 execuções foram ilegalmente conduzidas em punição de atos que não deveriam resultar na pena de morte ao abrigo do direito internacional, como crimes relacionados com a droga, roubo e espionagem.
Além do Irão, naturalmente a China surge em destaque, já que continua a sentenciar e a executar milhares de pessoas ainda que os dados sobre a aplicação da pena de morte sejam classificados como segredo de Estado. Os meios de comunicação estatais chineses foram utilizados para lembrar a população de que crimes como o tráfico de droga e o suborno seriam violentamente punidos e resultariam na pena capital.
Pela negativa, também se destacaram a Arábia Saudita, a Somália e os EUA.
Sabe-se que foram executadas mulheres na China, no Irão, na Arábia Saudita e em Singapura. Também no Irão, pelo menos cinco pessoas eram menores na altura da sua execução. Crianças. Eram crianças, repito.
Dentro do constante compromisso com os direitos humanos, estes são números que entristecem, tanto quanto justificam a necessidade de continuar caminho pela erradicação da pena capital.
Muitos destes crimes não são sequer crimes. São silenciamento, são repressão, são fruto de maledicência dos outros. Outros, não estão sequer provados. Neste momento, há seres humanos no corredor da morte que são inocentes. Por último, a nenhum crime se faz justiça cometendo outro crime. Matar, executar, é crime.
Uma justiça plena tem três componentes: é reparadora das vítimas, é punitiva e trata da recuperação e reinserção social de quem cometeu um crime. A pena de morte tem apenas a componente punitiva, que é também irreversível. A pena de morte não é justiça. É vingança. É crime.
Que os braços permaneçam bem alto e que não se baixem até que o objetivo esteja cumprido.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico