Na política europeia, como na vida, não há famílias perfeitas

O debate a oito começou com um tema quente... para a bolha de Bruxelas: as regras orçamentais. Uma chatice isto de pertencer à União Europeia implicar cumprir regras.

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O debate a oito passou pelo apontar de dedo sobre quem é que tem os amigos piores. Uma conclusão: na política, como na vida, não há famílias perfeitas RTP
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A cada meia década, o país lembra-se de debater política europeia no horário nobre da TV. Os nossos representantes no Parlamento Europeu saltam dos confins das madrugadas da RTP2 – ocasionalmente preenchidas pelo programa Eurodeputados – e têm direito a tempo de antena nas generalistas. Desta vez não foi assim, mas só porque as direcções dos partidos em Lisboa preferiram fazer uma limpeza a fundo que deixa o Parlamento Europeu cheio de portugueses que não sabem indicar o melhor caminho para a sala Andreas Papandreou.

Oito em debate na RTP nesta terça-feira, todos vindos de partidos com assento parlamentar na Assembleia da República. O panorama político mudou de tal forma que seria estranho não convidar quem representa já muitos eleitores, mas por Bruxelas ainda não se senta.

Como diferente era o país político há meia década: em 2019, Iniciativa Liberal, Livre e Chega – na altura ainda embrionário com o nome “Basta”, sob forma de coligação entre o Partido Popular Monárquico (PPM) e o Portugal Pró-Vida (PPV) - valiam, somados, 4,2%. Hoje, os três convidados de honra dos debates, sem lugar em Bruxelas, representam 26,17% do eleitorado português. Em 2019, estas candidaturas ficaram remetidas ao debate dos pequenos – onde André Ventura não apareceu porque a RTP se lembrou de marcar o debate à mesma hora do programa de futebol Pé em Riste da CMTV, no qual era comentador. O candidato Ventura tinha claramente outras prioridades e Bruxelas não era uma delas.

Curiosidade: as três candidaturas que agora vão a jogo no debate dos grandes acabaram por ficar em 2019 atrás do recém-fundado Aliança. Desta vez o Aliança não vai a jogo, para descanso da Aliança Democrática (AD) que ainda podia ser confundida de novo no boletim.

Em 2019, a jornalista Cristina Esteves começava o frente-a-frente entre Paulo Rangel e Pedro Marques definindo aquelas eleições europeias como “uma das mais importantes da história”. Em 2024, o guião pouco se altera: Carlos Daniel introduz uma eleição “crítica”, com “consequências decisivas” para o futuro dos europeus. A ânsia de tornar qualquer eleição como a mais importante de todas elas faz lembrar a necessidade dos adolescentes de definir meia turma como os seus "melhores" amigos. Todos sabemos que não é bem assim, mas ninguém tem coragem de o dizer.

O debate começa com um tema quente... para a bolha de Bruxelas: as regras orçamentais. Uma chatice isto de pertencer à União Europeia implicar cumprir regras. Cotrim, Temido e Bugalho até elogiam os avanços, os restantes torcem o nariz. Ainda há poucos minutos tinha arrancado o debate e estava encontrado o arco da governação em Bruxelas.

O desabafo do debate foi dito num aparte pela socialista Marta Temido, durante a discussão técnica que entretanto se gerou: "É que as pessoas não percebem nada do que nós estamos a dizer". Eis a triste razão de se colocar o debate europeu num enlatado semanal de meia hora na RTP2.

Sem eurodeputados que possam defender as escolhas que fizeram ao longo da legislatura europeia, resta agora aos novos cabeças de lista mostrar que com eles é que vai ser. O candidato da AD, Sebastião Bugalho, vai para o grupo do Partido Popular Europeu (PPE) com uma agenda própria e traça linhas vermelhas à sua própria família política. Quem é que não quer marcar distâncias face àquele tio húngaro que não se tem portado muito bem ultimamente?

O debate passa pelo apontar de dedo sobre quem é que tem os amigos piores. Uma conclusão: na política, como na vida, não há famílias perfeitas.

Já que a presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, diz estar disponível a dialogar com o grupo do Conservadores e Democratas, a candidata socialista, Marta Temido, acusa Von der Leyen de fazer o mesmo do que a pasta de dentes dos radicais da Alternative für Deutschland (AfD): “branqueia extremistas”.

Simplifica a escolha do eleitor europeu o candidato comunista, João Oliveira. Das três, uma: extrema-direita, neoliberalistas ou a “Europa dos trabalhadores e do povo”. Fico na dúvida onde se sentarão os partidos dos Verdes europeus nesta equação, mas como um deles – o PEV – até partilha coligação com Oliveira, imagino que também estejam do lado dos trabalhadores e do povo, desde que faça escolhas verdes.

O debate é o culminar de um “dia de festa” para Bugalho. A razão: o Presidente da Ucrânia veio até Portugal. Temido não vai em festas e acusa Bugalho de ser imaturo por celebrar a visita do líder de um país em guerra que veio pedir ajuda. Entorna-se o caldo, dizem-se muitas coisas, mas com duas pessoas a falar ao mesmo tempo pouco se percebe. Não houve frente-a-frente entre Temido e Bugalho, e Carlos Daniel apressa-se a repor a ordem para evitar transformar um debate a oito num encontro a dois.

Catarina Martins aponta o dedo aos “generais de sofá que querem mandar os filhos dos outros para a guerra” e diferencia-se do seu parente directo sentado na mesma bancada – a da Esquerda Europeia – o PCP. “A Ucrânia tem o direito a defender-se e as tropas russas devem retirar do território ucraniano”, defende a candidata do Bloco.

O candidato do Chega, Tânger Correia, estava fisicamente na Nova SBE, mas a cabeça parecia estar noutro lado: ora não responde ao que Carlos Daniel pergunta, ora diz banalidades. Arrisco-me a dizer que o eleitor que o Chega procura não está a ver a RTP a esta hora, para sossego do seu candidato e do líder do partido. Foi o único a recusar reconhecer o Estado palestiniano.

Há ainda dois candidatos que se destacam particularmente pela positiva e que mostram porque foi bom alargar estes debates. Cotrim mostra a segurança de ser, muito provavelmente, o melhor quadro da Iniciativa Liberal e Francisco Paupério, do Livre, mostra a vantagem de não se ter lembrado que queria ser candidato há apenas um mês.

Para o fim, uma nota para o candidato do PAN, o único que se diz capaz de levar os temas da natureza e dos animais ao Parlamento Europeu. Não correu bem com o actual eurodeputado Francisco Guerreiro – que virou independente depois de um ano –, mas agora é que será a valer, garante.

Dia 9 de Junho, Portugal escolhe os seus 21 em 720 eurodeputados. Quase todos serão novos eleitos, diminuindo o peso do país em Bruxelas. Na manhã desta quarta-feira – quando saírem as audiências de televisão de terça-feira – vai voltar a confirmar-se que a política europeia não consegue bater as novelas e o Big Brother. Na quinta há debate dos pequenos partidos e a política europeia volta, infelizmente, para as madrugadas da RTP2 até 2029. Lá dizia o antigo slogan do canal dois: quem vê quer ver. E são poucos os que querem ver política europeia e ainda menos os que a percebem. Perdemos todos.

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