Florestas de algas transportam 56 milhões de toneladas de carbono para o mar profundo por ano

Algas transportam anualmente 15% do carbono capturado para o fundo do mar, onde parte desse total pode ficar ali retido por um século. Por isso, devem entrar no orçamento global de carbono oceânico.

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O oceano costeiro representa "um importante sumidouro de carbono a nível mundial" e, por isso, deve ser "um foco de intervenções para mitigar as alterações climáticas e cumprir os objectivos do Acordo de Paris", defende artigo científico Sílvia Chemello/Ciimar
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As florestas marinhas podem ter um papel mais relevante do que imaginávamos no armazenamento de carbono no mar profundo. As algas castanhas que existem ao longo das zonas costeiras do planeta transportam, todos os anos, cerca de 15% do carbono capturado para o fundo do oceano, onde parte desse total pode ficar retido por pelo menos um século, revela um estudo publicado na quarta-feira na revista científica Nature Geoscience.

“Este é o primeiro artigo que procura contabilizar, a nível global, a contribuição das florestas de algas marinhas para o sequestro de carbono”, explica ao PÚBLICO a co-autora Isabel Sousa Pinto, professora do Departamento de Biologia da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto e investigadora no Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (Ciimar).

Estima-se que as algas castanhas grandes sejam capazes de transportar para o mar profundo, todos os anos, cerca de 56 milhões de toneladas de carbono (entre 10 a 170 milhões de toneladas). Desse total, calcula-se que entre quatro e 44 de milhões de toneladas possam ficar ali retidas durante pelo menos um século. Esta notícia importa em tempos de crise climática: o carbono que fica no fundo do oceano não se está a acumular na atmosfera.

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As florestas de algas constituem o maior ecossistema de vegetação costeira do mundo Tânia Pereira/Ciimar

Esta contribuição das florestas de algas para a acção climática não deve, contudo, ser vista como uma panaceia. Jorge Assis, co-autor do estudo, sublinha que a contribuição das macroalgas é “apenas uma ajuda” na corrida em contra-relógio para limitar a subida da temperatura média do planeta a 1,5 graus Celsius – uma ambição estabelecida no célebre Acordo de Paris.

Para isso, as emissões líquidas de dióxido de carbono (CO2) na economia mundial devem ser teoricamente nulas até metade deste século – uma meta que, a avaliar pelos indicadores actuais, corre o risco de não ser alcançada.

“O caminho certo a seguir é reduzir as emissões de gases com efeito de estufa, isto é muito claro”, avisa Isabel Sousa Pinto, numa videochamada com o PÚBLICO juntamente com Jorge Assis, investigador do Centro de Ciências do Mar do Algarve (CCMAR).

Os dois cientistas portugueses defendem que é preciso proteger as florestas de algas marinhas existentes, e restaurá-las onde fizer sentido, não só porque oferecem esse pequeno contributo na luta climática, mas também porque desempenham um papel valioso nos ecossistemas.

“Estas algas oferecem vários serviços no ecossistema, constituindo habitat para outras espécies, absorvendo nutrientes que vêm da terra e que podem provocar problemas ambientais – limpando, portanto, a água. Restaurar e conservar estas florestas marinhas tem um valor que vai muito além da parte climática”, sublinha Isabel Sousa Pinto.

As florestas de algas constituem o maior ecossistema de vegetação costeira do mundo. Estes organismos podem ser encontrados sobretudo em águas ricas em nutrientes, mais frias e próximas da costa – uma vez que dependem da luz solar para realizar a fotossíntese e crescer, não prosperam em grande profundidade.

Portugal em 35.º lugar

De entre os vários países estudados, a costa portuguesa não revelou uma capacidade de remoção de carbono particularmente elevada – um desempenho que depende não só do tamanho da costa, mas também da geomorfologia dos países. Numa tabela que inventaria 40 países, Portugal surge na 35.ª posição, sendo que o que está em causa são estimativas nacionais da exportação de carbono de algas marinhas para além da plataforma continental.

Países com dimensões continentais e extensas linhas de costa, como a Austrália, os Estados Unidos e a Nova Zelândia, ocupam – nessa mesma ordem – as três primeiras posições da tabela. “A extensão da costa é um aspecto muito importante aqui”, sublinha o investigador Jorge Assis.

Uma parte significativa da costa da ocidental dos Estados Unidos, por exemplo, ostenta vastos bosques de algas castanhas grandes que oferecem habitat, alimento e protecção para milhares de espécies de ecossistemas marinhos, incluindo peixes, invertebrados e mamíferos. Nas condições ideais, uma alga castanha pode crescer até 45 centímetros por dia, segundo a agência norte-americana para o oceano e a atmosfera (NOAA, na sigla em inglês).

Jorge Assis e co-autores recorreram a modelos oceânicos globais para simular o destino do carbono contido nas algas desde a costa até ao fundo do oceano. Este trabalho teórico considerou múltiplos factores como mapas globais de distribuição de espécies de macroalgas castanhas, o tempo de transporte de uma espécie de alga castanha até ao mar profundo e a taxa de decomposição destes organismos.

O estudo estima que a exportação de carbono das algas abaixo dos 200 metros de profundidade totaliza três a quatro por centro do sumidouro de carbono do oceano, refere uma nota de imprensa do CIMAR-LA, o laboratório associado que une o Ciimar e o CCMAR. Os resultados indicam, assim, a importância de incluir as macroalgas nas representações do orçamento global do carbono oceânico, que ainda não considera a vegetação marinha na equação climática.

“Foi muito difícil passar de florestas para outros ecossistemas, porque as pessoas que trabalhavam nas florestas não queriam reconhecer [as algas]. Mesmo nas Nações Unidas foi muito difícil começar falar a de carbono azul, ainda parece ser tudo muito novo”, afirma Isabel Sousa Pinto, quando questionada sobre o facto de os sistemas marinhos ainda não integrarem o Inventário Nacional de Emissões de Carbono.

O estudo da Nature Geoscience foi liderado por Karen Filbee-Dexter, investigadora do Instituto Norueguês de Investigação Marinha e da Universidade da Austrália Ocidental. Além de Isabel Sousa Pinto e Jorge Assis, participam ainda no estudo dois outros cientistas lusófonos: Ana M. Queirós, professora no Laboratório Marinho de Plymouth, no Reino Unido, e Carlos M. Duarte, professor na Universidade de Ciência e Tecnologia King Abdullah, na Arábia Saudita.