Um deputado pode dizer que uma “raça ou etnia é mais burra”? Aguiar-Branco diz que “pode”

Se um deputado “disser que uma determinada raça ou etnia é mais burra ou preguiçosa também pode?”, questionou o PS, depois de um comentário do Chega sobre o povo turco. Aguiar-Branco diz que “pode”.

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"Não serei eu nunca a cercear a liberdade de expressão", afirmou o presidente da Assembleia da República Daniel Rocha
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O presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar-Branco disse, esta sexta-feira, que recusa ser censor e limitar a liberdade de expressão dos deputados, uma visão que foi contestada por PS, Bloco de Esquerda e Livre e aplaudida de pé pela bancada do Chega.

O incidente no debate sectorial com o ministro das Infra-Estruturas e Habitação começou com uma intervenção do líder do Chega, André Ventura, que, ao questionar os dez anos previstos para a construção do novo aeroporto, disse o seguinte: "Podemos ser muito melhores que os turcos, que os chineses, que os albaneses, vamos ter um aeroporto em cinco anos."

"O aeroporto de Istambul foi construído e operacionalizado em cinco anos, os turcos não são propriamente conhecidos por ser o povo mais trabalhador do mundo", tinha começado por dizer Ventura, sob protestos de várias bancadas, com Aguiar-Branco a pedir para o deixarem continuar a sua intervenção porque "o deputado tem liberdade de expressão para se exprimir".

De imediato, o líder parlamentar do Bloco de Esquerda, Fabian Figueiredo, pediu a palavra para defender que "atribuir características e estereótipos a um povo não deve ter espaço no debate democrático da Assembleia da República" e pediu desculpas ao embaixador da Turquia.

Na resposta, o presidente da Assembleia da República disse discordar desta visão. "Não concordo, porque o debate democrático é cada um poder exprimir-se exactamente como quer fazê-lo. Na opinião do presidente da Assembleia, os trabalhos estão a ser conduzidos assegurando a livre expressão de todos os deputados, não tem a ver com o que penso pessoalmente, não serei eu o censor de nenhum dos deputados", afirmou.

A líder parlamentar do PS, Alexandra Leitão, pediu também a palavra para questionar "se uma determinada bancada disser que uma determinada raça ou etnia é mais burra ou preguiçosa também pode?"

"No meu entender, pode. A liberdade de expressão está constitucionalmente consagrada. A avaliação do discurso político que seja feita aqui nesta casa será feita pelo povo em eleições", respondeu o presidente da Assembleia da República.

Aguiar-Branco propôs que "se houver alguém que acha que deve ser feita censura à intervenção dos deputados recorre da decisão do presidente da Assembleia". "E aí o plenário é que fará a censura, não serei eu", disse.

Isabel Mendes Lopes, líder parlamentar do Livre, pediu a palavra para sublinhar que "o racismo é crime" e que o que é dito no Parlamento "tem consequência directa na vida das pessoas".

"Não vou dar continuidade a este tema, a Assembleia tem inúmeros mecanismos regimentais para exprimir a sua opinião. Uma coisa pode ter a certeza, não serei eu nunca a cercear a liberdade de expressão", disse Aguiar-Branco, numa intervenção aplaudida de pé pela bancada do Chega.

Antes, Ventura já se tinha desviado do tema do debate, ao criticar que a Assembleia da República tenha tido esta noite a fachada iluminada para assinalar o Dia Nacional contra a Homofobia e a Transfobia, dizendo que "o Parlamento está sequestrado pela linguagem woke". "Queria lamentar muito que todos os partidos tenham entrado nesta lógica", criticou André Ventura, com o líder parlamentar do CDS-PP Paulo Núncio a sinalizar que o seu partido também esteve contra esta decisão do Parlamento.

Na noite de quinta para sexta-feira, a fachada do Palácio de São Bento esteve iluminada com a bandeira arco-íris, de forma a assinalar a luta contra o preconceito e a defesa dos direitos de pessoas lésbicas, gays, bissexuais, transgénero e intersexo (LGBTI). A 17 de Maio celebra-se o Dia Internacional de Luta contra a Homofobia, Transfobia e Bifobia, que pretende valorizar a igualdade entre as pessoas, independentemente da sua orientação sexual, assim como alertar para a discriminação contra as pessoas LGBTI.

André Ventura disse que esta sexta-feira também é Dia Mundial da Hipertensão e tal não foi assinalado pelo Parlamento. "Tivemos um Dia dos Antigos Combatentes, não vi esta fachada iluminada, nem pelos profissionais de saúde ou forças de segurança", disse.