Será necessário esperar por um Estudo de Impacto Ambiental (EIA) para avaliar as reais consequências de um aeroporto no Campo de Tiro da Força Aérea, em Alcochete. Embora o relatório feito pela Comissão Técnica Independente (CTI), que colocou Alcochete como a melhor solução para a localização do aeroporto, tenha apontado possíveis problemas a nível do ruído para as populações humanas, da avifauna, do aquífero e da floresta, só um estudo verdadeiramente rigoroso e actualizado poderá dar o verdadeiro quadro de impactos do Aeroporto Luís de Camões, de acordo com peritos ouvidos pelo PÚBLICO.
“Está tudo nas mãos do Estudo de Impacto Ambiental que vai ser a peça-chave para uma avaliação melhor” das questões ambientais do novo aeroporto, disse ao PÚBLICO Francisco Ferreira, presidente da Zero – Associação Sistema Terrestre Sustentável, que juntamente com outras oito associações portuguesa emitiu na terça-feira um pequeno comunicado adiantando que Alcochete era uma escolha problemática do ponto de vista ambiental.
“Vamos ter de garantir medidas suficientes para contrariar esses impactos”, defendeu o ambientalista, que nesta quarta-feira esteve em reunião com a ministra do Ambiente, Maria de Graça Carvalho, onde partilhou uma série de preocupações ambientais a nível nacional, incluindo o aeroporto.
“O Governo tem presente que a avaliação de impacto ambiental é um dos maiores desafios que se colocam”, adianta uma nota do Ministério das Infra-Estruturas enviada ao PÚBLICO. Na terça-feira, após a declaração do primeiro-ministro, Luís Montenegro, sobre a escolha da localização do aeroporto, Miguel Pinto Luz, ministro das Infra-Estruturas e da Habitação, explicou que uma das razões de a escolha ser a de Alcochete é que já houve uma declaração de impacto ambiental positiva, de 2010 e entretanto caducada, que permite ter uma ideia acerca das medidas mitigadoras necessárias.
“Há trabalho feito nesta matéria, de estudos de todas as variáveis a ter em conta, tal como também fez a CTI. Mas o certo é que já foi emitida uma declaração positiva em 2009 e, apesar de a legislação ser hoje mais restritiva, acreditamos que existem condições para que a avaliação seja positiva”, referiu ainda a nota do ministério.
Lições de Montijo: é preciso recolher nova informação
Mas há quem defenda que, sem um especial rigor no futuro EIA, há um risco de se repetir erros como o do plano do aeroporto no Montijo. “O que é importante é que os impactos sejam avaliados de uma forma muito rigorosa”, explica ao PÚBLICO José Alves, ecólogo e investigador principal do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar (Cesam), da Universidade de Aveiro, e especialista em aves. O ecólogo esteve envolvido nos estudos do impacto nas aves de um aeroporto no Montijo, que ajudaram a impedir o avanço do projecto.
“O que é recomendado é utilizar a informação mais recente. Se essa informação não existir, há que ir recolhê-la. Não basta usar os estudos que foram feitos para Alcochete”, explica José Alves. “Os dados do Montijo tinham sido recolhidos em 2000/2001, eram antigos.”
Não é só a questão da realidade mudar ao longo dos anos, a capacidade técnica de avaliar a vulnerabilidade das espécies também avança. Um dos problemas de Alcochete é que os cones de voo das duas pistas se sobrepõem aos corredores de movimento das aves entre o estuário do Tejo e do Sado. Actualmente, é possível colocar pequenos GPS nas aves, verificar a altitude exacta a que voam e o impacto da entrada e saída dos aviões, algo que não era possível fazer há poucas décadas.
“O que está recomendado como boa prática é usar a tecnologia mais avançada e recente que se tem. É algo que muitas vezes deixamos de lado. As entidades como a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), que validam estes estudos, têm que manter essa fasquia de exigência”, defende o ecólogo. José Alves explica ainda que quanto mais rigor for aplicado no EIA, maior qualidade terão as conclusões e as medidas de compensação e de mitigação. Ou seja, a melhor informação produzirá a melhor resposta.
Por outro lado, um EIA de pouca qualidade tende a atrasar o processo. “Se há lições a tirar do caso do Montijo, é que a falta de rigor só leva a atrasos. Uma avaliação com maior rigor teria tido um processo mais célere e não haveria uma Declaração de Impacto Ambiental (DIA) favorável logo de início”, afirma. “O Montijo é um caso particular e único em que a ciência e a investigação ecológica fizeram-se vingar no sentido de parar uma DIA que tinha conteúdos erróneos. O que prova que este conhecimento pode ser usado para tomar decisões da administração pública e tem validade perante estes grandes projectos de desenvolvimento”, avisa.
O problema da Portela
Embora a Zero preferisse que a escolha do lugar do aeroporto tivesse recaído em Vendas Novas, a localização com menor impacto ambiental, de acordo com o relatório da CTI, Francisco Ferreira defende que à partida não há razões para bloquear o processo, ao contrário do que aconteceu com o Montijo, confiando na decisão da CTI. E elogia a opção de o Governo ter escolhido Alcochete como solução única, pondo o fim aos problemas de saúde humana e ambientais provocados pelo Aeroporto Humberto Delgado (AHD).
Segundo o calendário do plano para o novo aeroporto, o equipamento estará construído em 2034. Até lá, o Governo defendeu ser imperativo a expansão do aeroporto da Portela dos actuais 38 movimentos por hora para 45 movimentos por hora, o que resultará num total de 40 a 45 milhões de passageiros por ano.
Para Francisco Ferreira, isto exige antes de mais um novo Estudo de Impacto Ambiental, já que há muito que se deixou de cumprir as condições aprovadas na DIA de 2006 do então Plano de Desenvolvimento do Aeroporto de Lisboa.
Na altura, o objectivo do plano era o “aumento de tráfego previsto, até ao encerramento do actual Aeroporto, dos actuais cerca de 12 milhões de passageiros por ano para 16 milhões de passageiros por ano a atingir em 2015”, segundo o resumo não técnico daquele plano. Em 2023, a Portela contou com 33,6 milhões de passageiros.
“O que dizemos é que deixámos de cumprir as condições do plano e a respectiva DIA”, diz Francisco Ferreira, pedindo uma nova DIA, para garantir que o AHD não seja uma “solução eterna” e para que haja fortes restrições relativamente aos impactos daquela infra-estrutura no ruído e na qualidade do ar de Lisboa. “Se tenho uma fábrica com uma licença ambiental para uma produção X, quando ultrapasso essa capacidade tenho de voltar a fazer um EIA”, compara o ambientalista.