A Europa e a guerra na Ucrânia: cenários para possíveis desfechos

É impossível prever com rigor o desfecho desta guerra que se prolonga e tem uma dimensão que poucos imaginavam. Mas é possível traçar cenários e discutir as possíveis consequências para a Europa.

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Na última década, o risco geopolítico deu crescentes sinais de estar a afetar a economia mundial e europeia e a estabilidade política internacional. Todavia, os europeus subestimaram tais sinais, ou não foram capazes de lhe dar uma resposta adequada. Não viram, ou não quiseram ver, que era altura de modificarem o seu business as usual ligado a uma globalização sem tensões geopolíticas. Este assentou num modelo criado ao longo das últimas décadas, onde tinham largamente subcontratado a produção industrial à China, a energia à Rússia (e também aos países da OPEP) e a sua segurança e defesa à NATO (leia-se, aos EUA).

Até à invasão da Ucrânia pela Rússia, há dois anos, os europeus preocuparam-se com o seu bem-estar e prosperidade, mas segundo parâmetros quase exclusivamente económicos. Ao mesmo tempo, como os recursos nunca são ilimitados, mesmo para os países ricos, secundarizaram o investimento na sua segurança e defesa e autonomia estratégica. Todavia, sem exércitos e indústrias com condições de suportar um conflito militar de grande dimensão — e prolongado no tempo —, a Europa é vulnerável e certamente não é também dissuasora de uma possível agressão militar. Assim, o atual contexto geopolítico mostra cruamente que esse business as usual, sem preocupações maiores geopolíticas e de segurança, terminou abruptamente com a invasão russa da Ucrânia, ocorrida mesmo às suas portas.

A questão que muitos europeus colocam a si próprios, nesta altura, é a de saber que desfecho poderá ter a guerra na Ucrânia, que decorre há mais de dois anos, e quais as suas consequências futuras para a Europa. Naturalmente que é impossível prever com rigor o desfecho desta guerra que se prolonga no tempo e tem uma dimensão que poucos imaginavam possível. Para além disso, já teve várias fases e reviravoltas a favor e contra cada um dos beligerantes. Em qualquer caso, para efeitos analíticos, é possível traçar alguns cenários, os quais permitirão discutir também as possíveis consequências para a Europa.

Avançamos aqui com três possibilidades de desfecho do conflito político-militar: (i) acordo de paz próximo dos objectivos políticos de vitória da Ucrânia, ou seja, de recuperação integral do seu território, eventualmente com exceção da Crimeia; (ii) cessar-fogo permanente, tendo como resultado prático um conflito congelado em que a Rússia fica a ocupar de facto partes do território ucraniano, como o Donbass e a Crimeia; (iii) uma vitória militar da Rússia que leva a Ucrânia, a ficar, na sua totalidade ou em grande parte, sob a sua dependência político-militar da Rússia.

Dependendo de muitos fatores — a guerra é o domínio da imprevisibilidade por natureza —, muitos deles ultrapassam o que os beligerantes possam ou não fazer (desde logo, o grau do apoio militar e também financeiro do Ocidente à Ucrânia), há consequências transversais a qualquer um dos cenários. Estas são as seguintes: uma provável perda de facto, maior ou menor, de algum território por parte da Ucrânia; a permanência de uma situação de ameaça substancial à segurança às portas da União Europeia; a necessidade de continuar a financiar o esforço de guerra da Ucrânia, bem como sua reconstrução, que durará certamente, em qualquer cenário, longos anos.

Face a estes cenários, como pode o mundo empresarial preparar-se para os próximos anos, em termos de risco geopolítico — ou seja, tendo também em conta as ameaças à segurança europeia — e dos impactos económicos e financeiros, desde logo os ligados ao processo de reconstrução da Ucrânia e à sua eventual adesão à União Europeia? Tendo em conta as elevadas incertezas no horizonte, sugere-se uma estratégia dinâmica de gestão de risco assente em três ferramentas.

  • Primeiro, desenvolver um pensamento estratégico sobre as oportunidades (por exemplo, investimento em novas tecnologias na área da energia verde que aceleram a transição energética) e as ameaças (por exemplo, desarticulação das cadeias de abastecimento) colocadas pelo conflito, evitando “ângulos mortos”.
  • Segundo, uma monitorização frequente da exposição (direta e indireta) aos riscos identificados pela organização. Deve levar especialmente em conta o risco geopolítico que pode resultar dos futuros desenvolvimentos da guerra, das decisões políticas da NATO e da União Europeia sobre a Ucrânia e dos possíveis alargamentos destas organizações (por exemplo, uma eventual redução dos fundos estruturais da União Europeia na economia portuguesa).
  • Terceiro, uma estratégia proativa de mitigação do risco assente no diálogo com os stakeholders da organização, diversificando riscos e adaptando a cadeia de abastecimento aos constrangimentos criados pelo ambiente geopolítico.

Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico

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