Em quatro anos MP abriu 792 inquéritos por crimes de ódio e deduziu acusação para apenas 14

Comissão pela Igualdade e Contra a Discriminação Racial recebeu 596 queixas em 10 meses, mais 100 do que em todo o ano anterior.

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Manifestação no Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial Nuno Ferreira Santos
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Os registos do Ministério Público relativos a crimes de ódio mostram que em quatro anos — de 2020 a 2023 foram abertos 792 inquéritos, mas o número de despachos de acusação ainda é residual: somaram 14 no total desse período.

Segundo dados da Procuradoria-Geral da República (PGR) fornecidos ao PÚBLICO, entre 2020 e 2022 foram instaurados 530 inquéritos, e só foram proferidos três despachos de acusação em cada ano. Já em 2023, quando foram instaurados 262, apenas cinco tiveram acusação.

Estes dados dizem respeito a crimes com base ou agravante “ódio”, incluindo o previsto e punido no artigo 240.º do Código Penal, explica a PGR. Entre 2020 e 2023 foram arquivados 630 processos relativos ao mesmo crime. A PGR esclarece que o total de inquéritos abertos se refere a investigações a crimes consumados e tentados; e que a partir de 2022 o sistema informático permitiu alargar a recolha de informação estatística “a um maior número de realidades relacionadas com este fenómeno”, por isso os dados não são directamente comparáveis com os de anos anteriores. Ou seja, as diferenças podem estar ligadas à recolha estatística e não necessariamente ao número de inquéritos abertos.

Sobre as acusações e arquivamentos, a PGR esclarece que a diferença entre o número de inquéritos instaurados anualmente e os respectivos desfechos (acusação ou arquivamento) não se reflecte necessariamente no indicador das entradas registadas no ano, isto porque há processos que transitam para o ano seguinte. Há ainda outras decisões que podem ter influência na contagem dos processos, como a Suspensão Provisória do Processo, ou decisões de apensações/incorporações de inquéritos o que pode significar, por exemplo, que 10 inquéritos se constituam como apenas um.

Origem dos processos

Uma das entidades que enviam processos para o MP quando consideram que há matéria criminal é a Comissão pela Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR), cuja presidência passou para a Assembleia da República em Janeiro, formalmente, mas que está parada há seis meses, como o PÚBLICO noticiou no sábado.

De 1 de Janeiro a 28 de Outubro de 2023, período em que a CICDR funcionou junto do Alto Comissariado para as Migrações, foram recebidas pela CICDR 596 queixas esta entidade não especificou de que tipo. De acordo com o último relatório da CICDR, em 2022 houve 491 denúncias, 14,3% referentes a relações com o comércio, 9% com a Internet ou redes sociais, 8,6% com a saúde, 7,1% referentes a situações de trabalho e 1,6% às forças de segurança.

Segundo vários estudos, a maioria das pessoas que se sente alvo de discriminação não faz queixa. Isso mesmo mostra o "Inquérito às Condições de Vida, Origens e Trajectórias da População" do Instituto Nacional de Estatística (o maior inquérito até à data em Portugal sobre o tema), em que só contactaram com as autoridades 8,8% dos 1,2 milhões de pessoas que disseram ter sido alvo de discriminação.

Há vários processos que envolvem racismo onde não está presente o artigo 240.º do Código Penal, ficando as acusações apenas por injúria, difamação ou, por exemplo, ofensas à integridade física.

Foi o que aconteceu no caso da acusação do MP a uma mulher que insultou os filhos do casal de actores brasileiros Bruno Gagliasso e Giovanna Ewbank, acusada de dois crimes de injúria e dois crimes de difamação com publicidade e calúnia por motivações racistas. O Ministério Público considerou que não estavam preenchidos “os elementos objectivos do crime de discriminação e incitamento ao ódio e à violência”, previstos no artigo 240.º do Código Penal. Isto porque a conduta da arguida teria de ser destinada “a divulgação ou através de qualquer meio de comunicação social ou sistema informático” — o que, no entender, do MP não foi o caso.

Segundo dados recolhidos pela agência Lusa junto da PSP e GNR em Fevereiro, o número de crimes de ódio em Portugal aumentou 38% em 2023, em comparação com 2022. No total, as autoridades registaram 347 crimes de discriminação e incitamento ao ódio em 2023, mais 77 casos do que no ano anterior.

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