O gabinete na sede do Parlamento Europeu em Estrasburgo do eurodeputado Jean-Paul Garraud, do partido de extrema-direita francês União Nacional (RN, na sigla em francês), fica num anexo recuado, mas ele tem os olhos postos num outro, bastante mais próximo do centro de decisão.
O líder do grupo parlamentar da RN tem a expectativa de que os partidos nacionalistas e eurocépticos tenham ganhos significativos nas eleições para o Parlamento Europeu (PE), que decorrem entre 6 e 9 de Junho (em Portugal, no dia 9). Esperam ter pela primeira vez a experiência de exercer influência em Bruxelas e Estrasburgo, se outros partidos de direita e de centro-direita trabalharem com eles.
As sondagens antecipam que os partidos de direita radical tenham ganhos importantes em toda a UE, incluindo França, Alemanha e Itália, onde estão em jogo muitos lugares de eurodeputados.
Esta viragem é explicada dizendo que os eleitores procuram alternativas para além dos partidos tradicionais, por se verem frustrados com a crise do custo de vida e da energia, com a migração ilegal e abalados por uma paisagem geopolítica em mudança.
“Estaremos numa posição diferente e não seremos bloqueados... Poderemos integrar comissões, ou ter um presidente ou vice-presidente do Parlamento Europeu”, disse Garraud à Reuters, antecipando uma nova capacidade de influência quando o hemiciclo analisar questões cruciais para a extrema-direita.
Diluir as políticas verdes do Pacto Ecológico Europeu ou as restrições ao comércio livre são algumas dessas questões - e teme-se que aproveitem o descontentamento dos agricultores, por exemplo, para o seu crescimento eleitoral. “E, acima de tudo, menos imigração” sublinhou Garraud. “O que eu tenho a certeza é que vamos ter maioria num determinado número de assuntos”, declarou.
Influência do TikTok
Os dois grupos de direita radical, Identidade e Democracia (ID) e Conservadores e Reformistas Europeus (ECR), devem vir a somar mais 30 a 50 lugares, passando dos actuais 18% para 22-25%, prevêem as sondagens.
Os eleitores da direita radical e extrema-direita não são apenas a base tradicional de homens mais velhos descontentes. Uma sondagem alemã recente mostrou que 22% dos jovens com menos de 30 anos votariam na Alternativa para a Alemanha (Af), um partido de extrema-direita. Marine Le Pen transmitiu a presidência da RN a Jordan Bardella, de 28 anos, uma telegénica presença assídua no TikTok, a plataforma de vídeos curtos pouco utilizada pelos políticos convencionais.
Muitos destes partidos de direita radical e extrema-direita são grandes utilizadores das redes sociais – onde os eleitores podem ser bombardeados com mentiras, alertam governos e instituições de investigação.
Na cidade portuária francesa de Dunquerque, há muito um bastião da esquerda, alguns pais preocupam-se com as mensagens a que os jovens estão expostos.
Jean-François Engrand, 53 anos, diz que os seus dois enteados foram tentados a votar na RN por mensagens sobre estrangeiros que recebiam dinheiro a troco de nada. “É assustador. Estão a ser bombardeados. Eles não verificam as informações que recebem nos seus telemóveis”, disse.
Fosso entre a política convencional e os eleitores
Corina Stratulat, directora adjunta do think tank European Policy Centre, afirma que os partidos radicais e populistas estão a preencher um fosso crescente entre a política convencional e os eleitores desconfiados, numa “era de crise permanente”, desde a pandemia à guerra na Ucrânia e aos picos de preços da energia.
Os esforços para colmatar esta lacuna têm saído pela culatra. As sondagens estão a dar 16% ao partido Renascença, do Presidente francês, Emmanuel Macron. Isto é metade das intenções de voto na RN, que ganhou as últimas europeias em França, e que em 2027 deverá apresentar de novo como candidata à presidência Marine Le Pen.
Os críticos dizem que o facto de Macron ter dado destaque a temas como a imigração e a criminalidade, questões tradicionalmente fortes da direita, ajudou a extrema-direita e afastou os eleitores de esquerda que lhe deram o seu voto para impedir Marine Le Pen de ser Presidente, em 2022 e em 2017.
As políticas favoráveis à transição ecológica e à biodiversidade anunciadas por Macron em 2019, após uma vaga de greves climáticas nas escolas, e de ter perdido o seu primeiro ministro do Ambiente, que se demitiu acusando o Governo francês de não fazer o que era preciso no ambiente, também se tornaram um alvo da direita – e da esquerda, por pouco terem avançado.
“As pessoas estão conscientes de que o Pacto Ecológico Europeu pode doer e que os próximos cinco anos serão cruciais para o pôr em prática”, disse Armidavan Rij, investigador sénior da Chatham House.
Até agora, o Partido Popular Europeu (PPE), de centro-direita, os sociais-democratas e os liberais centristas têm dividido os cargos de topo da UE e forjado consensos políticos, excluindo a extrema-direita. Mas após as eleições europeias de 2024, a expectativa é que a maioria de que tem gozado este bloco que tem dominado a política europeia fique bastante reduzida.
Nicola Procaccini, co-presidente do grupo ECR e do partido Irmãos de Itália (pós-fascista, que lidera o executivo no seu país) considera que o Governo italiano da primeira-ministra Giorgia Meloni é um modelo. Nele estão representados, além dos Irmãos de Itália, a Lega (extrema-direita), e a Forza Italia (centro-direita).
“Penso que este é o caminho a seguir”, disse, apontando para uma situação em que a extrema-direita teria muito mais influência na definição de políticas e escolha de dirigentes da Comissão Europeia.
Lobby da China e da Rússia?
O PPE, que deverá continuar a ser o maior grupo no Parlamento, excluiu a possibilidade de trabalhar com a AfD (cujos deputados integram o grupo parlamentar Identidade e Democracia). O líder do grupo parlamentar do PPE, o alemão Manfred Weber, afirmou que iria alertar os eleitores da verdadeira natureza da AfD como “embaixadores de Putin e de Xi [Jinping]”.
Garraud considera que as alegações de que o seu partido e os aliados da ID, como a AfD, são pró-russos ou aceitam dinheiro de Moscovo ou Pequim, não passam de esforços dos rivais para demonizar a direita.
No mês passado, foi detido um assessor do candidato principal da AfD, Maximilian Krah, por suspeita de espionagem a favor da China, e foi divulgado que o seu número dois recebeu dinheiro de um site com ligações ao Kremlin, uma acusação que ele nega.
A mensagem sobre a interferência estrangeira está a começar a ressoar, com uma sondagem na Alemanha a mostrar que 75% dos inquiridos a consideram um perigo. O apoio da AfD diminuiu ligeiramente desde então.
No lançamento da campanha eleitoral da AfD para o Parlamento Europeu, em Donaueschingen, muitos dos cerca de 500 participantes na cerimónia tinham a certeza de que a detenção do assessor de Krah tinha sido programada para prejudicar as hipóteses do partido.
Neste recanto do Sudoeste rico da Alemanha, muitos apoiantes da AFD insurgiam-se contra a elite política, que consideram não ter noção da realidade e atacam por ter apoiado os confinamentos para controlar o contágio da covid-19, e a obrigatoriedade de usar máscara durante a pandemia.
“Foi a pandemia do coronavírus que me radicalizou”, disse Justus, um engenheiro de produção de 20 e poucos anos, vestido de fato, com uma barba bem aparada, que chegou ao comício com amigos igualmente elegantes num BMW descapotável.
As diferentes direitas e Von der Leyen
Para Van Rij, da Chatham House, é importante distinguir entre a AfD, juntamente com os seus aliados da ID, como a RN francesa, e o ECR, menos radical, que será provavelmente liderado por Meloni, de Itália. O seu apoio à presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, poderá ser necessário para garantir um segundo mandato.
“O ECR pode ter um impacto maior”, afirmou o analista.
Corina Stratulat sublinhou que o PPE desempenhará um papel central. Poderá aliar-se à extrema-direita em algumas questões, como a migração, ou simplesmente deslizar um pouco mais para a direita, como no caso de conter o avanço do Pacto Ecológico Europeu.
O partido Os Verdes afirma que o futuro das políticas ambientais e climáticas e a segurança europeia serão questões vitais nestas eleições europeias.
“Querem a influência russa e chinesa e o enfraquecimento da Europa? Para eles [os patidos de extrema-direita e direita radical], uma Europa forte é o maior perigo. Por isso, querem enfraquecer a Europa. E sejamos honestos, a extrema-direita vai enfraquecer a Europa”, disse o co-líder da lista dos Verdes, Bas Eickhout, na conferência de imprensa de apresentação da sua candidatura.
Reuters