Palestinianos contam com solidariedade dos estudantes americanos e silêncio das ruas árabes

Habitantes de Gaza saúdam protestos que convulsionam universidades dos EUA. No Médio Oriente, no entanto, as autoridades condicionam demonstrações públicas de solidariedade.

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Estudantes pró-palestinianos manifestam-se na Universidade de Colúmbia, nos EUA David Dee Delgado / REUTERS
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Os palestinianos vêem com agrado os campus universitários americanos irromperem em indignação com a ofensiva de Israel em Gaza, mas alguns questionam-se por que razão não houve protestos semelhantes nos países árabes que há muito consideram aliados.

Esta semana, as manifestações pró-palestinianas abalaram as universidades norte-americanas, com confrontos entre estudantes, contra-manifestantes e a polícia, mas embora tenha havido alguns protestos em países árabes, estes não foram tão grandes nem tão ruidosos.

"Acompanhamos todos os dias os protestos nas redes sociais com admiração, mas também com tristeza. Estamos tristes porque esses protestos não estão a acontecer também nos países árabes e muçulmanos", disse à Reuters Ahmed Rezik, 44 anos, pai de cinco filhos, refugiado em Rafah, no sul de Gaza.

"Obrigado, estudantes solidários com Gaza. A vossa mensagem chegou até nós. Obrigado, estudantes de Colúmbia. Obrigado estudantes", lia-se numa tenda em Rafah, onde mais de um milhão de pessoas se abrigam da ofensiva israelita.

As razões para o silêncio das ruas árabes podem ir desde o medo de provocar a ira dos governos autocráticos até às divergências políticas com o Hamas e os seus apoiantes iranianos, passando pelo receio de que os protestos possam ter impacto na política interna dos seus países.

Os estudantes americanos que frequentam universidades de elite podem ser detidos ou expulsos das suas escolas, mas as consequências de protestar podem ser mais duras para os cidadãos árabes que se manifestam sem autorização dos seus governos. E os estudantes norte-americanos podem sentir-se mais motivados para protestar, uma vez que o seu próprio governo apoia e arma Israel, enquanto mesmo os países árabes que têm relações diplomáticas plenas com o país têm criticado fortemente a sua campanha militar.

Quando questionados sobre o conflito, os árabes, de Marrocos ao Iraque, têm manifestado constantemente a sua fúria contra as acções de Israel e a sua solidariedade para com os habitantes de Gaza, o que levou a celebrações silenciosas do Ramadão em toda a região no mês passado. Houve algumas manifestações de apoio aos palestinianos, nomeadamente no Iémen, onde os houthis se juntaram ao conflito com ataques a navios no Mar Vermelho.

Os árabes da região também expressaram nas redes sociais o seu horror perante a guerra e o seu apoio aos habitantes de Gaza, mesmo que não tenham saído à rua. Mas, seja qual for a razão para a ausência de protestos públicos, algumas pessoas em Gaza estão agora a fazer comparações desfavoráveis entre o tumulto nos Estados Unidos e a reacção pública que podem ver noutros países árabes.

"Peço aos estudantes árabes que façam o mesmo que os americanos fizeram, e eles deviam ter feito mais por nós do que os americanos", disse Suhaal-Kafarna, que abandonou a sua casa no norte de Gaza devido à guerra.

No Egipto, que fez a paz com Israel em 1979 e onde o Presidente Abdel Fattah al-Sisi proibiu em grande medida os protestos, as autoridades temem que as manifestações contra Israel possam mais tarde virar-se contra o governo do Cairo. Em Outubro, durante as manifestações permitidas pelas autoridades, alguns manifestantes desviaram-se do percurso acordado e entoaram palavras de ordem contra o governo, o que levou a detenções.

"Não se pode ver a falta de grandes protestos públicos contra a guerra e a reacção silenciosa nas ruas egípcias isoladas de um contexto mais vasto de repressão de todas as formas de protesto público e de reunião", disse Hossam Bahgat, director do movimento Iniciativa Egípcia para os Direitos Pessoais.

Estudantes árabes têm mais a perder

Na Universidade Americana do Cairo, é menos provável que as forças de segurança intervenham no campus e por lá tem havido alguns protestos, mas um activista estudantil que pediu o anonimato à Reuters disse que as manifestações ainda podem ter consequências. "Ser preso aqui não tem nada a ver com ser preso nos Estados Unidos. É completamente diferente", disse, acrescentando que havia "o factor medo" que impedia muitas pessoas de saírem à rua.

No Líbano, onde ser bem-sucedido nos estudos se tornou ainda mais importante para muitos jovens, após anos de crises políticas e económicas que reduziram as suas hipóteses de prosperidade futura, esse cálculo é ainda mais difícil. Vários estudantes abordados pela Reuters nos protestos do campus da Universidade Americana de Beirute recusaram ser entrevistados, dizendo que temiam as repercussões das autoridades académicas.

As histórias complexas do Líbano e de outros países árabes, como a Jordânia, que acolhem muitos refugiados palestinianos, também entram na equação. No Líbano, algumas pessoas culpam os palestinianos por terem desencadeado a guerra civil de 1975-90. Outros temem que qualquer manifestação aberta de apoio aos palestinianos possa ser aproveitada pelo Hezbollah, movimento libanês apoiado pelo Irão, que tem trocado ataques com Israel desde o início do conflito de Gaza.

"O mundo árabe não está a reagir como Colúmbia ou Brown (universidades americanas) porque não se pode dar ao luxo de o fazer", disse Makram Rabah, professor de História na Universidade Americana de Beirute.

Além disso, acrescentou, com a opinião pública já a apoiar largamente a causa palestiniana, não é claro o que os protestos ali realizados poderiam alcançar na prática. "A dinâmica do poder e a forma como se muda a percepção pública são diferentes no mundo árabe em comparação com os EUA", disse.

Para Tamara Rasamny, uma libanesa-americana detida e suspensa por ter participado numa manifestação na Universidade de Colúmbia um mês antes de obter o seu diploma, essa realidade foi sentida de forma intensa. Contava proferir um discurso na sua cerimónia de formatura, e ponderou se teria sido mais poderoso enviar uma mensagem nesse local ou através da sua possível detenção.

"E depois pensei: o meu discurso é literalmente sobre ser corajoso, corajoso e falar - por isso pensei: se nem sequer estou a ouvir as minhas próprias palavras, quem sou eu para dizer alguma coisa? Foi essa a minha lógica e valeu a pena", disse à Reuters a partir de Nova Iorque.

Rasamny disse saber que talvez não tivesse sido possível exprimir-se desta forma se estivesse em casa, no Líbano. "Sinto que no Líbano seria mais frustrante assistir ao que se está a passar, porque não tem havido uma alternativa como ir para as ruas", disse.