Calor extremo deixa milhões de crianças sem escola no Bangladesh, nas Filipinas e na Índia

Bangladesh, Filipinas e Índia encerram escolas. Calor faz aumentar o fosso de aprendizagem entre países pobres e ricos. USAID investe 7,6 milhões de euros em escolas resistentes ao calor na Jordânia.

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Fora da escola, crianças refrescam-se com a água pulverizada por um canhão em Dhaka, durante uma onda de calor que assola todo o Bangladesh Mohammad Ponir Hossain / REUTERS
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Hena Khan, uma estudante do nono ano em Daca, capital do Bangladesh, tem-se esforçado por se concentrar nos seus estudos esta semana, uma vez que as temperaturas ultrapassaram os 43 graus Celsius.

“Não há verdadeira educação nas escolas neste calor punitivo”, afirma Hena Khan​. Os professores não conseguem ensinar, os alunos não conseguem concentrar-se. Pelo contrário, as nossas vidas estão em risco, diz a aluna.

Hena Khan está entre os mais de 40 milhões de estudantes que foram afastados das salas de aula nas últimas semanas, uma vez que as ondas de calor obrigaram ao encerramento de escolas em algumas regiões da Ásia e do Norte de África.

Por sua vez, as autoridades governamentais e os peritos em saúde pública de todo o mundo debatem-se cada vez mais com a questão de saber se devem manter os alunos a aprender em salas de aula quentes ou incentivá-los a ficar em casa e a refrescar-se.

Qualquer uma das decisões tem consequências. De acordo com dados das Nações Unidas, cerca de 17% das crianças em idade escolar no mundo já não frequentam a escola, mas a proporção é muito maior nos países em desenvolvimento, com quase um terço das crianças da África Subsariana fora da escola, em comparação com apenas 3% na América do Norte.

Os resultados dos testes das crianças nos países em desenvolvimento também são inferiores aos dos países desenvolvidos.

Calor como factor de desigualdade

O calor excessivo que empurra as crianças para casa pode agravar as desigualdades, aumentando as lacunas de aprendizagem entre as nações em desenvolvimento nos trópicos e os países desenvolvidos, disseram os especialistas à Reuters, e mesmo entre os distritos ricos e pobres nos países ricos. Mas enviar crianças para escolas demasiado quentes pode pô-las doentes.

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Criança refresca-se no lago Crescent, em Dhaka, capital do Bangladesh, durante a onda de calor que assolou o país durante vários dias MONIRUL ALAM / EPA

Este ano o Sudão do Sul encerrou as escolas a cerca de 2,2 milhões de alunos no final de Março, quando as temperaturas atingiram os 45 graus Celsius. Milhares de escolas nas Filipinas e na Índia seguiram o exemplo no final de Abril, fechando as salas de aula a mais de 10 milhões de alunos.

Na quarta-feira, o Camboja ordenou a todas as escolas públicas que cortassem duas horas do dia escolar para evitar o pico de calor ao meio-dia.

Entretanto, o Bangladesh tem oscilado entre a abertura e o encerramento de escolas para cerca de 33 milhões de alunos, numa altura em que as temperaturas sobem para níveis perigosos.

Muitas escolas do Bangladesh não têm ventoinhas, a ventilação não é boa e podem ter telhados de estanho que não proporcionam um bom isolamento, disse Shumon Sengupta, director da organização sem fins lucrativos Save the Children naquele país.

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Canhões de água ajudaram a mitigar a sensação térmica nas ruas de Dhaka durante a onda de calor de Abril MONIRUL ALAM / EPA

Impacto do calor na aprendizagem

Mesmo que os alunos continuem a frequentar as aulas durante as ondas de calor, é provável que a aprendizagem seja afectada.

As temperaturas elevadas abrandam as funções cognitivas do cérebro, diminuindo a capacidade dos alunos de processar e reter informação. Um estudo de 2020 concluiu que os alunos do ensino secundário dos Estados Unidos (EUA) tinham um pior desempenho em testes se estivessem expostos a temperaturas mais elevadas no ano anterior ao exame.

O estudo, publicado na revista científica American Economic Journal, concluiu que um ano lectivo mais quente (0,55 graus Celsius) reduziu a qualidade da aprendizagem desse ano em 1%. Grande parte desse impacto não se verificou nas escolas que tinham ar condicionado, afirmou o co-autor do estudo, Josh Goodman, economista da Universidade de Boston, nos EUA.

De acordo com vários inquéritos, entre 40% e 60% das escolas americanas têm, pelo menos, ar condicionado parcial. As escolas sem ar condicionado encontram-se frequentemente em distritos mais pobres, que já ficam atrás dos seus homólogos mais ricos do ponto de vista académico.

Goodman e os seus colegas encontraram resultados de aprendizagem semelhantes relacionados com o calor quando analisaram os dados de testes padronizados noutros países. Quando (os alunos de) estes locais passam um ano com mais calor, parecem ter aprendido menos, afirmou.

Outros estudos sugerem que o calor excessivo nos trópicos também pode afectar a educação de uma criança mesmo antes do nascimento.

As crianças do Sudeste Asiático expostas a temperaturas mais altas do que a média no útero e no início da vida obtiveram menos anos de escolaridade mais tarde, descobriu um estudo de 2019 publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS).

Tudo isto é preocupante, disse Goodman, porque à medida que o mundo aquece, os países já quentes que estão a mudar para um clima extremamente quente sofrerão mais do que os países temperados.

As alterações climáticas vão aumentar as diferenças de aprendizagem entre os países quentes e os países frios, disse Goodman.

Escolas resistentes ao calor

Em Março, a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) anunciou que iria construir 30 escolas resistentes ao calor na Jordânia até 2026 para fazer face ao aumento previsto de dias de calor extremo” naquele país, afirmou um porta-voz da USAID.

A USAID, que forneceu pormenores que não tinham sido divulgados anteriormente, disse que iria investir nas escolas 8,17 milhões de dólares (quantia equivalente a cerca de 7,6 milhões de euros), utilizando sistemas de refrigeração passiva e ar condicionado para ajudar a manter as escolas a funcionar.

As escolas americanas estão agora a cancelar as aulas durante uma média de seis a sete dias lectivos por ano devido ao calor, em comparação com cerca de três a quatro dias há uma década, disse Paul Chinowsky, um engenheiro civil que liderou um estudo de 2021 o aumento das temperaturas em contexto escolar para a empresa Resilient Analytics.

No Bangladesh, no ano passado, as escolas estiveram fechadas durante seis a sete dias, disse Sengupta, da Save the Children. Mas este ano, dizem que poderão estar fechadas durante três a quatro semanas, disse ele, uma vez que Maio é frequentemente o mês mais quente no Sul da Ásia.