"A música falou aos explorados e os explorados ouviram-na: a vida não é esta fatalidade de servir o patrão até que as forças se esgotem e toda a beleza se esbata" – A Garota Não
"Com José Mário Branco, José Afonso, Fausto, percebo que os pobres daqui eram oprimidos pelo mesmo regime que oprimia os africanos" – Chullage
"Um canal nas redes sociais, em que cada um exprime o seu ponto de vista, um modo de vida que nos é imposto, a luta no sofá" – Luís Varatojo
O 25 de Abril começou com uma canção e a música não mais o largou. Esta coisa de verter anseios e aspirações na forma de música não mais deixaria de ser praticada em Portugal. Chamaram-lhe "música de intervenção". A de ontem ganhou actualidade, com a direita radical a mostrar a sua força e antigos slogans a ganharem renovado sentido; a de hoje é fértil, mesmo que possa ser, em muitos casos, mais expressão individual do que colectiva. Sinais dos tempos?
No dossier de capa desta edição, Mário Lopes olha para 50 anos de canções de intervenção, ligando décadas distantes. O que une esta cantiga-arma?
"É música agarrada à vida", disse-lhe A Garota Não. "Não me conformo que a vida seja inteira e saborosa só para uns quantos. Isso tira-me a paz. E, no fundo, é essa descoberta diária que me compele a fazer música de dentes cerrados."
Enquanto lê o artigo, sugiro que ouça a playlist de Spotify que preparámos.
Num álbum com fantasmas à espreita, Annie Clark (St. Vincent) deixa momentaneamente as máscaras de lado para ser ela própria. Como ela nos diz em entrevista: "Este disco não é sobre persona; é sobre vida, morte e amor".
Inês Campos, Luísa Saraiva e Jan Martens apresentam no Dias da Dança três espectáculos em que se servem do canto feminino para colocar questões. É a voz feminina a digerir o trauma, a defender-se da violência, a recusar o apagamento.
Amadeo de Souza-Cardoso regressa a Paris, não para uma retrospectiva, mas para uma pequena grande exposição que lhe dá o lugar que merece entre os seus pares. Como os Delaunay. Lucinda Canelas foi ao Centro Pompidou vê-la. E proclama: Amadeo está finalmente no sítio certo.
Daron Acemoglu é um dos economistas mais respeitados do mundo e escreveu, com Simon Johnson, Poder e Progresso. O livro de História económica desmonta o mito do progresso automático e recorre às tecnologias de vanguarda do passado (dos moinhos aos descaroçadores de algodão) e às dinâmicas de outros tempos (a exploração intensiva do trabalho, os primeiros sindicatos) para comentar o presente em que a inteligência artificial e a automação, segundo diz, trabalham sobretudo contra os humanos. Falámos com ele.
Também neste Ípsilon:
➢ Livros de José Henrique Bortoluci (entrevista ainda só disponível na edição impressa), Hugo Miguel Santos e Audre Lorde;
➢ Música: o novo álbum de Taylor Swift e As Berlengas de Benjamim (que entrevistámos);
➢ Cinema: quatro filmes da edição 2023 do IndieLisboa chegam às salas;
➢ Mais filmes: recensões a Challengers, Primeira Obra e Amo-te Imenso;
➢ Exposições de Yonamine e Gonçalo Sena para ver em Lisboa. Falámos com os artistas.
Boas leituras!
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