Efeitos da pandemia: crianças comeram mais em família, mas brincaram menos com os amigos
Investigadores procuraram perceber os possíveis impactos da pandemia nas crianças em idade escolar. Trabalho coordenado pelo Insa mostra também mudanças no comportamento alimentar.
É um retrato dos prós e contras da pandemia em crianças em idade escolar, entre os seis e os nove anos. E os efeitos percepcionados pelos pais foram semelhantes num conjunto de 17 países. Durante a pandemia, as crianças fizeram mais refeições em família e participaram mais na preparação das mesmas. Mas brincaram menos com os amigos do que antes.
Os dados fazem parte do relatório The impact of covid-19 pandemic on the daily routine and behaviors of school-aged children in Europe: results from 17 Member States, da Organização Mundial da Saúde e coordenado cientificamente pelo Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (Insa), que é apresentado nesta terça-feira em Lisboa.
Através deste trabalho, os investigadores procuraram perceber os possíveis impactos da pandemia nas crianças em idade escolar. Em 13 estados, a recolha da informação realizou-se durante o ano lectivo 2021-2022 e em quatro no ano lectivo 2022-2023.
A análise tem por base a percepção dos pais e encarregados de educação relativamente ao consumo alimentar, comportamentos familiares, actividade física e comportamentos sedentários, características do ambiente familiar, estado nutricional, saúde mental e bem-estar das crianças.
Segundo a informação disponibilizada pelo Insa, reuniram-se dados de quase 55 mil famílias e crianças, sendo a maioria rapazes (51.8%) e crianças de oito anos (54,8%). No caso português, os dados foram recolhidos no ano lectivo 2021-2022 e incluíram 5139 famílias com crianças entre os seis e os oito anos de 226 escolas.
Os resultados mostraram tendências muito semelhantes nos 17 países. De forma geral, refere o Insa em comunicado, os pais relataram que durante a pandemia aumentou a “partilha das refeições em família (29%)” e a “preparação de refeições em conjunto com a criança (26%)”.
Em oposição, refere o relatório, houve uma diminuição em praticamente todos os Estados-membros dos comportamentos “comer refeições preparadas fora de casa” e “comer refeições prontas”, que variou entre 15% e 57%.
À semelhança dos outros países, Portugal não fugiu das tendências positivas e negativas quanto ao impacto da pandemia no comportamento das crianças percepcionado pelos pais. Também no nosso país, a partilha das refeições em família aumentou (35,4%), assim como a preparação das refeições em conjunto com as crianças (33,6%), em linha com os primeiros dados do relatório foram apresentados numa conferência na Irlanda.
Mais frutas e mais snacks
Também se observou um aumento do consumo de fruta (11,9%) e de vegetais (7,1%) e uma descida do consumo de bebidas açucaradas (13,8%) durante a pandemia quando comparado com o período anterior. Pelo lado negativo, aumentou o consumo de snacks doces e salgados e o tempo passado em actividades sedentárias, como ver televisão ou jogar no computador.
Em termos globais, a tendência foi a mesma. Embora tenha havido um maior consumo de frutas e hortícolas, “aproximadamente uma em cada cinco famílias relatou que os seus filhos começaram a consumir mais snacks salgados e doces como rebuçados, gomas, bolos, gelados”, refere o comunicado do Insa. “Quase 40% das crianças aumentaram o tempo gasto a ver televisão, a jogar jogos de vídeo/computador ou a utilizar as redes sociais.”
Mas também se registou, na maioria das famílias dos 17 países, um agravamento da percepção de bem-estar das crianças. De acordo com o relatório, “em média, a frequência com que as crianças se divertem com os amigos piorou para 42% das crianças, assim como a capacidade de desfrutar de actividades nos seus tempos livres (27%) e o relato de ‘ter tempo suficiente para si’ (19%)”.
A percepção, por parte dos pais, de que as suas crianças sentiam tristeza e solidão “também foi mais frequente no período pandémico para uma em cada cinco crianças”.
Em Portugal, um dos comportamentos que apresentaram “uma mudança mais pronunciada” entre o período pandémico e o pré-pandémico foi o que surge classificado no estudo como “divertir-se com os amigos”. Mais de 50% dos pais consideraram que no período pré-pandémico as crianças se divertiam muito frequentemente ou sempre com os amigos, comparando com os 23,6% durante a pandemia, mostram os dados do relatório.
A nível socioeconómico, aponta a nota de imprensa, as “dificuldades financeiras das famílias europeias aumentaram durante a pandemia”, com mais famílias a assumir que tiveram dificuldade em chegar ao fim do mês sem grandes problemas financeiros, face às despesas de cada mês com os seus rendimentos. “Em Portugal, 11,4% das famílias portuguesas relataram que a sua percepção de riqueza piorou durante a pandemia”, nota o Insa.