Preparar uma nova geração de médicos para a influência da inteligência artificial na saúde

A Inteligência Artificial poderá melhorar o exercício da medicina, mas terá de existir sempre a consciência plena de que a responsabilidade final de decisão é sempre do médico.

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A formação médica pressupõe a aquisição de competências científicas que permitam um conhecimento profundo dos aspetos biológicos do ser humano, facilitadoras da compreensão dos mecanismos das doenças e que formam a base do raciocínio médico. Esta componente de ensino tem de ser reforçada pela capacidade de reconhecer os sintomas e sinais das doenças, hierarquizar hipóteses diagnósticas, utilizar e interpretar os exames complementares de diagnóstico e, por fim, de um conhecimento adequado das bases das intervenções terapêuticas farmacológicas e cirúrgicas.

Paralelamente são ensinadas competências de comunicação, empatia, trabalho em equipa, capacidade de colaboração interdisciplinar e valorização da educação contínua e da investigação. Este edifício de conhecimento é suficientemente plástico para garantir adequadamente ao longo das últimas décadas a formação de médicos capazes de se adaptarem à evolução constante dos conhecimentos na área da medicina

No contexto do desenvolvimento tecnológico atual, com a contínua integração de novas tecnologias médicas, do componente digital da medicina e da inteligência artificial (IA), surgiram novos desafios que têm implicações na formação dos novos médicos e que necessitam de uma atualização daqueles que já estão no exercício da sua profissão. Adicionalmente, uma nova geração de estudantes fortemente treinados e vivenciados num ambiente digital têm a expectativa de que esses recursos possam ampliar as opções de ensino e a consciência de que os pode preparar melhor para os momentos de contacto clínico.

Tornou-se imperativo que estes médicos, que irão liderar a medicina da segunda metade do século XXI, adquiram conhecimento sobre IA e os seus diferentes domínios, desde a programação, à análise de imagem e ao processamento da linguagem natural, e de como estas podem ser usadas para melhorar o tratamento dos doentes e a eficiência dos profissionais de saúde. Para as escolas médicas torna-se relevante a criação de programas de literacia tecnológica com casos de uso específicos na clínica e aprimorar a missão da investigação neste novo ecossistema.

Surge assim uma necessidade e uma oportunidade de ajustamento na formação e educação contínua dos médicos. É imperativo atualizar as práticas e métodos pedagógicos com recurso à tecnologia, num ensino ativo em ambiente controlado, enquanto abordagem complementar à aprendizagem das bases científicas e ao contacto clínico. Os alunos podem assim ser mais bem preparados para diferentes abordagens digitais, com potenciais efeitos positivos sobre a qualidade de prestação de cuidados de saúde à população.

O uso de plataformas online, de dispositivos de realidade virtual, de simuladores médicos de alta definição e de ferramentas de diagnóstico e decisão clínica apoiados em IA são alguns dos instrumentos a considerar para a atualização do ensino na área da saúde. Adicionalmente, é crítico garantir que uma nova geração de médicos compreende e é capacitada para o uso de forma responsável da IA, como suporte à decisão médica, com vista a melhorar a segurança do ato médico e para contribuir para a inclusão no raciocínio médico da emergente medicina de precisão.

Esta é uma evolução inexorável da prática médica em áreas tão abrangentes como o reconhecimento de imagens, resultados laboratoriais, apoio à decisão diagnóstica e terapêutica. Nesta nova aprendizagem, os médicos devem adquirir competências face aos limites éticos e legais em que se enquadram a utilização de algoritmos de inteligência artificial, com transparência e responsabilidade. O conhecimento humano é primordial para ultrapassar as limitações da tecnologia, que tem potenciais desvios. É importante reconhecer que os algoritmos de IA dão sempre um resultado, mesmo que esteja errado! Por isso, considera-se relevante alcançar um equilíbrio na forma de encarar a IA na prática médica, para evitar um excesso de confiança na tecnologia, em detrimento das aptidões clínicas dependentes do treino e da experiência clínica dos médicos.

Recentemente, o Parlamento Europeu aprovou o novo regulamento para a IA e que propõe uma classificação para os sistemas de inteligência artificial com diferentes requisitos e obrigações adaptados a uma abordagem baseada no risco. O risco em saúde pressupõe o domínio da responsabilidade científica, ética, regulação e certificação. Numa sociedade cada vez mais heterogénea, todas as atividades que envolvam o desenvolvimento e a utilização de sistemas baseados em inteligência artificial em saúde obrigam à priorização da segurança, da transparência, da não discriminação e das preocupações ambientais, assegurando também a centralidade e o controlo da tecnologia pelo ser humano, para que todos os direitos fundamentais sejam respeitados em prol do bem-estar da humanidade.

A inteligência artificial transporta em si a esperança de contribuir para uma melhoria do exercício da medicina como um todo, mas terá de existir sempre a consciência plena de que a responsabilidade final de decisão é sempre do médico. Este é um paradigma fundamental para a evolução segura da medicina do futuro.

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