Operação Influencer – tem de haver consequências

Claro que o caso influenciou o resultado das eleições: temos 50 deputados de um partido de extrema-direita na Assembleia da República.

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Um Governo de maioria absoluta caiu por causa de um parágrafo de Lucília Gago que não deveria ter sido escrito, por causa de uma investigação fantasiosa do Ministério Público e por causa da intervenção de Marcelo Rebelo de Sousa. Não deveria ter acontecido e houve consequências graves para o país.

Parece que ninguém teve culpa. Até hoje, Lucília Gago não assumiu as suas responsabilidades neste processo. O mesmo para o Ministério Público (MP) que, através do presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, desvalorizou a importância da decisão da Relação de Lisboa e declarou que o trabalho do MP não pode ser avaliado a propósito deste processo. Já Marcelo Rebelo de Sousa fez aos portugueses aquilo que fazemos às crianças quando as queremos distrair. “Começa a ser mais provável haver um português no Conselho Europeu” que é como quem diz: que belas notícias estas que nos chegam da Relação de Lisboa. Ou mais simplesmente: olhem ali o aviãozinho.

Minto. Na verdade, existe uma única pessoa que está a ser responsabilizada pelo que fez. Trata-se da procuradora-geral adjunta, Maria José Fernandes. A única pessoa do MP que veio a público denunciar a atuação da magistratura, a qualidade das investigações e até a existência, no MP, de quem “olhe para a investigação criminal como uma extensão de poder sobre outros poderes, sobretudo os de natureza política.” Lucília Gago determinou a instauração de um processo de averiguações a Maria José Fernandes, o qual pode avançar para processo disciplinar.

A decisão da Relação de Lisboa não é apenas uma derrota do MP. Ela arrasa o trabalho que os magistrados desenvolveram e as conclusões a que chegaram, chegando a acusar o MP de inaptidão. No que diz respeito às suspeitas que recaem sobre António Costa, a partir das quais Lucília Gago escreveu aquele parágrafo, a Relação de Lisboa considerou-as “meras deduções e especulações”.

Perante uma situação desta gravidade, Luís Montenegro declarou que não é o momento para se pronunciar sobre o assunto e que só depois das eleições europeias o poderá ter na agenda. Luís Montenegro chegou ao cargo de primeiro-ministro por causa de uma embrulhada que não deveria ter acontecido. Agora todos sabemos disso e é difícil ignorar que sabemos. É inevitável que sintamos a injustiça de ter caído um Governo de maioria absoluta. Para mais, acabou por ser nomeado um novo Governo apoiado por uma escassa maioria parlamentar e que, por isso, parece estar ali a curto prazo. Mergulhámos numa situação política frágil e perigosa. Faria sentido que Montenegro dissesse ao país algo mais do que: não tenho nada a declarar porque não tenho isso na agenda.

Fomos para eleições antecipadas e ficámos numa situação de instabilidade política. Claro que o caso influenciou o resultado das eleições: temos 50 deputados de um partido de extrema-direita na Assembleia da República. O que quero dizer é que houve consequências dramáticas para os portugueses, mas que ainda não houve consequências para os responsáveis por isto.

Não podemos simplesmente fazer de conta que isto não está a acontecer, como todas estas pessoas estão implicitamente a pedir-nos que façamos. Fomos lesados e a democracia foi lesada. Talvez António Costa venha a ser escolhido para presidente do Conselho Europeu, mas não será isso que curará estas feridas ou que poderá compensar os portugueses por estarem na situação em que estão.

Quem nos representa não pode conviver bem com o facto de nos serem dadas razões para deixarmos de acreditar no funcionamento do sistema democrático. Se erraram tem de haver consequências. Deixar isto andar sem levantar ondas é tão grave como o que fez a procuradora-geral da República, os magistrados do Ministério Público e o próprio Presidente da República.

Li neste jornal que 47% dos portugueses apoiariam um líder forte sem eleições. Isto demonstra falta de apreço, e até de compreensão, pela democracia. É um dado muito grave e não merece ser tratado em jeito de final de crónica. Mas quis fazê-lo. Porquê? Porque estão a ser cometidos demasiados erros e os portugueses já estão demasiado desorientados. Confirmamos isso mesmo para onde quer que olhemos. Desta vez tem de haver consequências. Ou haverá consequências.

A autora é colunista do PÚBLICO e escreve segundo o novo acordo ortográfico

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