Rússia retoma avanços na linha da frente e Ucrânia prepara-se para o pior
Moscovo quer tomar Chasiv Iar até 9 de Maio para, a partir daí, lançar-se à conquista total de Donetsk. Mesmo com ajuda ocidental e novos recrutas, Kiev irá perder território nos próximos meses.
As forças militares russas preparam-se para tentar alcançar a cidade de Chasiv Iar, um ponto estratégico na linha da frente, aproveitando as fragilidades cada vez mais evidentes das unidades ucranianas que tentam fortificar ao máximo as suas posições, enquanto aguardam pelo armamento estrangeiro e por novos recrutas.
Durante o fim-de-semana, o comandante das Forças Armadas ucranianas, Oleksandr Sirskii, admitiu que a situação na linha da frente “se deteriorou significativamente” nos últimos dias. “Apesar de perdas significativas, o inimigo tem intensificado os seus esforços, usando novas unidades em veículos blindados, graças aos quais consegue periodicamente obter ganhos tácticos”, explicou o general. Ou seja, depois de uma pausa momentânea coincidente com o Inverno, a Rússia está a conseguir repor as suas forças mais rapidamente do que a Ucrânia, a braços com falta de armamento e de soldados.
O próprio Presidente Volodymyr Zelensky dizia no final de Março que os atrasos no envio de ajuda militar e financeira para Kiev vão obrigar as suas forças a recuar “passo a passo” perante os avanços russos.
Este tipo de afirmações contrasta com o habitual optimismo da maioria dos líderes ucranianos, que, desde o início da invasão em larga escala pela Rússia, preferem sublinhar os feitos do seu Exército no campo de batalha e prever a derrota total do seu inimigo.
No entanto, a mudança nas declarações públicas dos responsáveis ucranianos pressagia um período altamente sensível e decisivo no esforço de resistência de Kiev, mais de dois anos depois do início da invasão russa. As Forças Armadas ucranianas acreditam que Moscovo está neste momento a preparar uma ofensiva contra a cidade de Chasiv Iar, contando capturá-la a tempo do feriado do Dia da Vitória, a 9 de Maio, o mais importante do calendário russo, que assinala a vitória soviética sobre a Alemanha nazi na II Guerra Mundial.
Chasiv Iar, a apenas dez quilómetros a oeste de Bakhmut, a cidade que durante vários meses foi palco de uma das batalhas mais sangrentas da guerra, é um ponto importante para que a Rússia alcance um dos seus objectivos primordiais: a conquista da província de Donetsk, uma das que foram ilegalmente anexadas no final de 2022.
“Chasiv Iar está localizada num terreno elevado; se a Rússia conseguir tomar a cidade, poderá conseguir aumentar o seu ritmo de progressão no terreno”, afirmou o analista militar Rob Lee, citado pelo Kyiv Independent.
Depois de ter falhado os principais objectivos da contra-ofensiva no Verão passado – segundo Kiev, por não ter recebido a tempo o armamento prometido pelos aliados ocidentais –, as forças ucranianas passaram a adoptar uma abordagem de defesa activa. Sem recursos suficientes para sustentar operações ofensivas, resta à Ucrânia tentar travar iniciativas do Exército russo, que vai procurar romper a linha da frente ao longo dos próximos meses.
“As forças russas devem continuar a exercer uma pressão intensa ao longo do eixo central da linha da frente, provavelmente em preparação de uma ofensiva mais extensa para conseguir o controlo total da província de Donetsk este Verão”, disse ao Kyiv Post o coronel na reserva Serhii Hrabskii.
Neste contexto, a possibilidade de o Congresso norte-americano estar mais perto de desfazer o impasse que tem impedido a aprovação de um pacote de ajuda para a Ucrânia no valor de 60 mil milhões de dólares assume ainda mais importância. Tal como a entrada em vigor da nova lei de mobilização militar promulgada esta terça-feira por Zelensky. Mas, mesmo assim, esses reforços podem não ser suficientes para evitar perdas territoriais.
Um dos grandes desafios para as forças ucranianas nos próximos meses é o de tentar antecipar em qual dos eixos é que a Rússia irá tentar furar a linha da frente. Essa incerteza obriga as forças de Kiev a fortificar as suas posições ao longo de uma linha de quase mil quilómetros, bem como estender os seus parcos recursos em toda essa extensão.
“Estamos a ver os russos a avançar pela linha da frente, aproveitando a vantagem de cinco para um em artilharia, munições, e num excedente de recursos humanos reforçados pelo uso de armas novas”, disse à BBC o general britânico na reserva Richard Barrons.
No início do mês, vários oficiais do Exército ucraniano foram citados pelo Politico Europe a antecipar uma possível quebra da linha da frente durante o Verão, mesmo que as forças ucranianas sejam reforçadas com soldados e armamento ocidental nos próximos meses. “Não há nada que possa ajudar a Ucrânia neste momento, porque não há tecnologias capazes de compensar a Ucrânia perante a grande massa de tropas que a Rússia conseguirá mobilizar contra nós”, disse um dos oficiais de topo.
“Nós não temos essas tecnologias e o Ocidente também não as tem em número suficiente.”