Surf: a lenda Kelly Slater prepara retirada com “uma espécie de alívio”
Norte-americano, que ganhou 11 títulos mundiais, fez um balanço da carreira após o evento de Margaret River, na Austrália. Aos 52 anos, assume que não tem conseguido manter a disciplina.
Não o disse com todas as letras, mas dificilmente haverá outra conclusão a retirar depois da eliminação de Kelly Slater em Margaret River: o maior surfista de todos os tempos vai mesmo encerrar a carreira profissional. Aos 52 anos, o norte-americano emocionou-se na entrevista pós-competição. "Olho para trás, para os meus amigos que se retiraram e talvez eles consigam perceber o que estou a sentir, uma espécie de alívio", afirmou.
Foram 24 anos de surf ao mais alto nível. Foram 11 títulos mundiais, com o estatuto de mais novo (20 anos) e mais velho (39) a alcançá-los. Foram 56 vitórias em eventos do Championship Tour. Foram cinco Pipe Masters, três Triple Crown of Surfing e dois Eddie Invitational. Foi uma paixão que começou ainda criança (começou a competir aos oito anos) em Cocoa Beach, na Flórida, onde nasceu, e correu os quatro cantos do globo.
No evento de Margaret River, na Austrália, Slater foi afastado nos 16 avos-de-final por Griffin Colapinto, o que significa que não conseguiu o cut de meio da temporada — só os 22 primeiros do ranking seguirão em frente na disputa do título. E este é um revés que, em função do momento, da idade e do contexto, deverá significar o fim da carreira a nível profissional, que teve como último triunfo o Billabong Pro Pipeline de 2022.
“Não tenho conseguido manter a disciplina de trabalho, as horas na água... Temos de surfar com imensas pessoas e perceber como a prancha se comporta nas ondas, e tudo isso, e eu fi-lo durante tanto tempo que agora é agradável ter uma visão mais distanciada, nesta altura”, resumiu o actual 33.º do ranking.
Um dos objectivos para este ano era a presença nos Jogos Olímpicos, cenário altamente improvável nesta fase, e Kelly Slater admite inclusive que não tem estado à altura dos padrões que impõe a si próprio. “Não estou a conseguir colocar-me em situações competitivas. Nós decidimos a nossa sorte”, vincou, lamentando as lesões que continuam a apoquentá-lo.
A possibilidade de vermos Slater voltar à água com um wildcard é bem real, porque o norte-americano reconhece que é difícil deixar o surf de um momento para o outro. Mas há um factor que o deixa dividido neste momento em que se prepara para encostar a prancha. “Há uma parte de mim que odeia a pressão, mas hoje [ontem], à medida que se apoderava de mim, emocionei-me pelo facto de a pressão deixar de estar na minha vida permanentemente”.
Kelly Slater, que quando se iniciou no surf olhava para os adversários na casa dos 30 anos com alguma desconfiança, chegou aos 52 ainda a competir entre a elite. Por isso, sabe melhor do que ninguém o que implica manter-se à tona numa modalidade física e mentalmente exigente. “Tudo tem um fim e se não nos adaptamos, não sobrevivemos”.
A motivação para continuar um caminho cada vez mais árduo pode ter esmorecido, mas o reconhecimento da comunidade do surf e dos fãs continua em alta. E isso foi palpável na praia de Margaret Beach: mal saiu da água, após a eliminação, foi carregado em ombros, escadas acima, até ao plateau para a entrevista da praxe. “Não são tudo rosas, sabem, mas são os melhores tempos da minha vida”.