Houve, sim, pessoas punidas por interrupção voluntária da gravidez nas últimas décadas

Só em 2006, o PÚBLICO noticiou caso de três mulheres que recorreram à IVG e foram condenadas a seis meses de prisão com pena suspensa. Paulo Otero disse que ninguém foi punido nas últimas décadas.

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A interrupção voluntária da gravidez foi descriminalizada, em Portugal, em 2007 Paulo Pimenta
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A afirmação

“Não há ninguém que tenha sido punido nas últimas décadas por interrupção voluntária da gravidez” – Paulo Otero, em debate na CNN, esta terça-feira

Contexto

Esta terça-feira, decorreu na CNN um debate entre a deputada do PS Isabel Moreira e o professor catedrático de Direito Paulo Otero, um dos 22 autores do livro Identidade e Família – apresentado esta semana por Pedro Passos Coelho.

Durante o debate, o professor catedrático afirmou que ninguém, nas últimas décadas, teria sido punido por interrupção voluntária da gravidez (IVG).

Do outro lado, Isabel Moreira, que já tinha sublinhado que antes da despenalização da IVG, o aborto era a terceira maior causa de morte materna em Portugal, disse que a afirmação de Paulo Otero não era verdadeira.

Os factos

Através do site da Ordem dos Advogados é possível conferir um documento de 11 de Janeiro de 2007, assinado pelo então ministro da Justiça, Alberto Costa, em resposta a questões feitas pelo grupo “Independentes pelo Não”.

“Quantas mulheres foram acusadas/julgadas em Portugal, nos últimos 10 anos (1996-2006) pela prática de aborto realizado até às 10 semanas de gravidez? De entre estas, quantas foram condenadas a pena de prisão? E quantas cumpriram pena de prisão efectiva?” foram algumas das perguntas que foram enviadas ao ministro.

Os dados disponibilizados no documento referem-se ao período dentre 1997 e 2005, ainda que os números do último ano fossem provisórios. Detalha-se ainda que “na categoria estatística ‘crimes contra a vida uterina’ estão incluídos os crimes de aborto e aborto agravado, previstos e punidos nos artigos 140.º e 141.º do Código Penal. Por esse motivo, a forma de recolha dos dados estatísticos não permite identificar se a mulher acusada/condenada no processo foi a mulher grávida que deu consentimento ao aborto praticado por terceiro, ou outra mulher que tenha participado na prática do aborto”.

Segundo o documento, foram constituídas arguidas por “crimes contra a vida intra-uterina” 37 pessoas do sexo feminino. Destas, pelo menos 17 foram condenadas, tendo sido aplicadas a nove penas de “prisão substituída por multa ou suspensa”.

Nos anos em que houve menos de três arguidas ou condenadas, os números exactos estão “protegidos pelo segredo estatístico”, esclarece o documento. Sendo assim, não há informação sobre os anos 2000 e 2004, assim como o número de pessoas condenadas em 2003 e 2005. Em 1997 conhece-se o número de pessoas condenadas (três) mas não as penas e medidas aplicadas.

De acordo com um estudo do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra de 2009, que usou dados da Direcção-Geral da Política de Justiça, entre 1990 e 2006 registaram-se 84 condenações em processos de "crimes contra a vida intra-uterina". O documento detalha que as penas mais aplicadas foram a "prisão suspensa simples (32,1%) e a prisão efectiva (28,2%)".

Em 2006, o PÚBLICO noticiou que três mulheres que tinham recorrido a interrupção voluntária da gravidez tinham sido condenadas a seis meses de prisão, com pena suspensa por dois anos. Também foram condenados um médico e uma empregada.

Mesmo depois da despenalização da IVG, já houve em Portugal pessoas condenadas por abortar. O PÚBLICO noticiou o caso de "Rita" em 2020, que interrompeu a gravidez às oito semanas, dentro do limite legal previsto na lei portuguesa, mas fora do SNS. Foi condenada a dez meses de pena de prisão suspensa. Entre 2007 e 2021, disse a Direcção-Geral da Política de Justiça ao PÚBLICO na altura, houve 26 condenados por crimes de aborto.

Como sublinha o Código Penal, "a verificação das circunstâncias que tornam não punível a interrupção da gravidez" carecem de certificação em "atestado médico, escrito e assinado antes da interrupção por médico diferente daquele por quem, ou sob cuja direcção, a interrupção é realizada". Independentemente de ocorrer antes ou depois das dez semanas de gravidez.

Veredicto

Não é verdade que não haja “ninguém que tenha sido punido nas últimas décadas por interrupção voluntária da gravidez”.

O próprio Ministério da Justiça confirmou, em 2007, cerca de um mês antes do referendo que trouxe a despenalização do aborto, que 17 pessoas do sexo feminino tinham sido condenadas. A nove foram aplicadas penas de “prisão substituída por multa ou suspensa”.

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