“Tempo é coisa que não temos.” FNE pede 30% do tempo congelado dos professores para já

Federação Nacional de Educação aumenta pressão sobre ministro Fernando Alexandre. E critica junção da pasta de Educação com Ensino Superior.

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O secretário-geral da FNE, Pedro Barreiros, acredita que Luís Montenegro não vai abandonar a Educação como prioridade, mas insiste que, a cada dia que passa, a devolução do tempo de serviço aos professores torna-se mais urgente. Em entrevista ao programa Hora da Verdade do PÚBLICO/Renascença, manifesta surpresa com a escolha de Fernando Alexandre e pede que o Governo repense as provas de aferição e os exames nacionais do 9.º ano em suporte digital.

No discurso de tomada de posse, Luís Montenegro pouco ou nada disse sobre escolas e sobre professores. Ficou desiludido por não constarem das prioridades do Governo?
Não sei se o facto de no discurso de tomada de posse não ter referido se traduz numa menor importância em relação à área da Educação. Presumo que não e desejavelmente é bom que não o seja. Já enviámos um ofício ao Ministro da Educação, no sentido de pedir uma reunião com carácter de urgência, para que possamos apresentar o nosso "roteiro para a legislatura 2024-2028" e ter a oportunidade de trabalhar e corrigir aquilo que houver a ser corrigido.

O actual primeiro-ministro considera a educação como uma prioridade, anunciou-o ainda antes da apresentação de candidatura e ao longo do processo da campanha eleitoral. Não temos nada que nos faça duvidar de que a educação seja uma das prioridades. Agora, nós também fazemos a nossa leitura. Aquilo que ouvimos mais foi um número: 60 dias. E isto não está certamente desfasado daquilo que são as eleições europeias marcadas para dia 9 de Junho. Muita da política que se irá fazer tem como objectivo o resultado eleitoral.

O descongelamento do tempo de serviço dos professores foi uma promessa eleitoral da AD. Espera que nestes 60 dias o Governo avance com algum descongelamento ou não?
Faremos tudo o que estiver ao nosso alcance para que o Governo avance. Eu tinha pessoalmente algum receio em relação ao Orçamento do Estado e à capacidade para já, em 2024, se poder avançar com a primeira tranche da recuperação desse tempo de serviço. O Partido Social Democrata, numa fase inicial e depois AD, na sua candidatura, apresenta uma proposta de recuperar 20% ao ano durante cinco anos.

Por uma questão de princípio, não considero adequado uma recuperação do tempo que faça incidir uma percentagem desse tempo num próximo ou num futuro Governo, partindo do pressuposto de que este terá uma duração normal de quatro anos ou de quatro anos e meio. Devia ser um Governo a assumir na sua legislatura a recuperação total do tempo de serviço. Quando verificamos o excedente orçamental ou que as condições financeiras poderão fazer com que essa recuperação aconteça já em 2024, é evidente que isso dá algum alento.

Esta divisão percentual dos 20% ao longo de cinco anos não é a mais adequada. Ou seja, a urgência faz com que uma primeira tranche deva ter um valor superior aos 20% e também que seja considerado o facto de muitos professores que neste momento já estão no topo da carreira ou que já se aposentaram possam ter alguma medida compensatória.

Superior aos 20% em quanto?
Em sede negocial, temos de perceber qual a capacidade orçamental. É evidente que não temos interesse em recuperar agora 50% e depois termos uma situação económica onde não se recupera mais nada. Portanto, temos de ser responsáveis naquilo que é o valor. Agora, em 2024, se já for possível recuperar 30%, 20%, ou outros 30% no segundo ano e o restante até ao final da legislatura, 2028, seria o ideal.

Tanto no discurso de tomada de posse como na primeira conferência de imprensa do Conselho de Ministros, o novo Governo avisou que a ideia de que os cofres estão cheios é perigosa e introduziu alguma cautela. Acha que isto significa que algumas promessas eleitorais da AD podem ser mais lentas do que o previsto?
Primeiro, infelizmente, a população está habituada ao incumprimento de promessas. Por outro lado, temos ainda muito presente aquilo que foram as promessas apresentadas, mais do que promessas, aquilo que está escrito no programa de candidatura da AD e que esperamos, agora também nós, contribuir para o programa de Governo. Temos muitas medidas que achamos que podem integrar o programa de Governo e algumas nem sequer impacto financeiro têm. O que importa é haver bom senso e conhecimento dos problemas para que possam ser resolvidos.

Quais são as prioridades neste roteiro para a legislatura que vai entregar?
O documento é extenso, mas identificamos quatro grandes áreas: uma relacionada com o sistema educativo, ou seja, medidas que não dizem concretamente aos professores ou ao pessoal de apoio educativo, mas ao sistema em si. Outra, muito específica e relacionada com problemas da profissão docente, também sobre o ensino superior e ciência, sobre o ensino de português no estrangeiro e sobre o pessoal de apoio educativo, que é um grupo de profissionais nas escolas que não é referido tantas vezes, mas que merece uma atenção também muito especial porque são eles que muitas vezes suportam aquilo que é o funcionamento adequado das escolas.

A recuperação do tempo integral dos professores também consta do roteiro?
Sim, mas há uma quantidade enorme de tempo, nomeadamente com origem na reestruturação das carreiras, que faz com que os professores tenham perdido muito mais do que estes seis anos, seis meses e 23 dias. Há professores com 50 anos que estão abaixo do meio da carreira estão no quarto escalão, no terceiro escalão.

E essa é uma guerra perdida?
Não, nós nunca assumimos a derrota. Para muitos, a recuperação deste tempo era uma guerra perdida. Há dois meses aquilo que ouvíamos do Governo é que a recuperação do tempo era impossível, que não havia condições financeiras para o fazer. Um passe de mágica que se traduziu numas eleições legislativas fez com que quase todos os partidos assumissem isto como bandeira eleitoral. Portanto, às vezes o que falta é a vontade política e não as condições financeiras.

Então espera que este Governo queira fazer uma reestruturação também da carreira dos professores?
Esperemos que em sede negocial, para além da recuperação dos seis anos, seis meses e 23 dias, possam também ser corrigidos todos os problemas de ultrapassagens na carreira.

O programa da AD também prevê um modelo diferente de colocação do docente. Não entra muito em detalhes, mas, no anterior Governo, um dos gatilhos para a contestação foi o Governo querer dar mais autonomia às escolas para contratarem os professores. Qual é a abertura da FNE para retomar essa discussão?
A abertura para retomar a discussão e a negociação no sentido da melhoria do diploma de concursos é total. Agora, já alertámos os responsáveis da AD para os perigos que constam na sua proposta: a AD faz incindir a avaliação de desempenho no diploma de concursos.

O novo ministro é membro de um think tank liberal, o Mais Liberdade, e teve declarações muito críticas do sistema de colocação de professores. Está à espera que este ministro faça uma ruptura radical neste campo?
Faz lembrar um ex-ministro de Educação que também queria implodir o Ministério da Educação, mas que chegado lá não o conseguiu fazer. Estamos habituados a um conjunto de frases feitas e também de anúncios que depois evidentemente não se concretizam. Confesso que não conheço [o novo ministro], apesar de ser um docente da Universidade do Minho e de eu morar próximo de Braga.

Aquilo que pretendo é deixar o alerta para que medidas como estas, relacionadas com a avaliação de desempenho docente e o diploma de concursos, sejam devidamente ponderadas, negociadas, para que a versão que venha eventualmente a ser finalizada tenha a concordância das organizações sindicais e seja vista como uma mais-valia por parte dos professores. O corpo docente de hoje não é um corpo docente com 23, 24, 25 ou 30 anos. É um corpo docente envelhecido e que ainda está muito distante das suas residências.

E sobre isso, também no programa da AD, há um aspecto que eu questiono: incentivos à mobilidade dos professores que têm deslocações superiores a 70km. Porquê 70 e não 80? Qual é o critério?
Importa que o Ministério da Educação seja conhecedor da realidade. Os think tanks e os grupos que se vão criando são muito interessantes para discutir, para analisar, para ver diversas propostas, mas é preciso depois ouvir, também, quem sente na pele estas questões. Para isso também muito dependerá, e estamos com alguma expectativa, de quem será o secretário de Estado para a Educação, que será quem na prática tutelará a área da Educação. Que seja alguém bem conhecedor daquilo que é a realidade.

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Diz isso porque acha que Fernando Alexandre não conhece bem a realidade da Educação?
Por aquilo que me foi dado a perceber, a sua vida profissional, de investigação, nunca esteve relacionada com a área da Educação em concreto, ou seja, com estes problemas do ensino básico, secundário. Agora, acreditamos que alguém com o seu currículo, com a sua capacidade, se possa rapidamente aperceber daquilo que está em causa.

É preciso dar-lhe tempo?
Tempo é coisa que nós não temos, nem o Fernando Alexandre nem o Pedro Barreiros. As condições de vida hoje e a velocidade a que se vive não nos dão muito tempo. Temos de ser rápidos e não devemos desperdiçar. Para se fazer a diferença, é preciso começar a agir desde já.

E como é que viu a junção da Ciência e do Ensino Superior com a Educação?
Temos ouvido muito a análise que aponta para uma desvalorização. Aquilo que nos importa é o resultado. É evidente que, nesta fase inicial, e não tendo conhecimento ainda de nada, causa-nos alguma estranheza porque consideramos que quer a ciência quer a investigação são merecedoras de uma dedicação muito forte por parte do Governo, porque têm um impacto também muito grande na nossa sociedade.

O programa da AD, para fazer face à falta de professores, admite a possibilidade de horas extras dos professores, de forma temporária e facultativa. O que lhe pergunto é se a FNE considera viável ter professores a fazer horas extras?
Há alunos com professores em falta, outros não tiveram sequer ainda um professor a uma determinada disciplina. Portanto, há aqui um período de urgência e as crianças e os jovens não podem ser prejudicados por aquilo que foi a incapacidade de um Governo em encontrar uma solução em tempo útil. E sabemos também que este problema vai continuar.

Portanto, acha incontornáveis as horas extras?
Tem de ser feita uma negociação séria, para que os trabalhadores não sejam lesados nem prejudicados. Se temos, por exemplo, duas escolas que estão a paredes meias e numa temos um professor de Português disponível para socorrer a escola vizinha, que tem falta de um professor, porque não encontrar uma solução e resolver o problema?

Em relação ao tema da avaliação de desempenho de professores, como é que este tema pode ser abordado e que propostas é que a FNE tem?
Perdeu-se o seu principal atractivo quando se deixou de valorizar o ponto de vista formativo e de melhoria das práticas. A avaliação de desempenho docente que temos hoje é uma avaliação meramente punitiva que pretende fazer com que os professores não possam progredir. Daí a existência de vagas e quotas. Dissociá-la daquilo que é a progressão na carreira seria o adequado. Ou seja, a avaliação de desempenho docente não devia estar ligada àquilo que é o desenvolvimento profissional, mas sim àquilo que é a componente formativa dos professores e a melhoria de práticas.

Dissociar? Então para que serviria?
A ideia presente é precisamente essa. É fazer com que tenha um impacto naquilo que é a progressão.

E reconhecer quem faz o melhor trabalho.
O reconhecimento do mérito também é muito subjectivo, porque, quando temos uma carreira única e com acessos iguais para todos, comparar uma escola com a escola ao lado, quando têm realidades completamente diferentes...

A avaliação de desempenho devia ser suspensa?
Pessoalmente não concordo. Eu acho que a avaliação de desempenho deve existir noutros moldes, nomeadamente aquilo que há pouco referi, que é ter uma componente essencialmente formativa e não punitiva.

As provas de aferição do 9.º ano devem ser suspensas este ano?
A nossa proposta é que elas possam não ser eliminadas, ou seja, que se mantenham, e que os exames nacionais sejam passados para o suporte papel, porque a informação que temos, quer da parte de professores quer da parte de directores, é que não estão reunidas as condições mínimas para que elas se possam realizar com sucesso.

Para terminar esta entrevista, prevê um Verão quente para esta maioria no que diz respeito à Educação? Mais greves? Mais manifestações? A paz social não está garantida?
Vai depender do Governo.

Das opções que tomar, é isso?
Da nossa parte, e desejavelmente, não queremos nem Verão quente, nem Inverno muito frio. Queremos que haja a capacidade de negociar e de resolver problemas. Temos a consciência de que há medidas que podem ser resolvidas rapidamente, outras que vão demorar algum tempo.

Avançámos sozinhos com a criação do Observatório da Convivência Escolar para a Violência e Indisciplina nas Escolas porque nenhum governo acolheu esta proposta. Há nitidamente um crescimento ao nível da indisciplina e violência nas escolas que tem de ser percebido para poder ser resolvido. Há medidas que não têm custos financeiros, pelo menos directos, e que é importante também resolver o mais depressa possível.

O primeiro-ministro, no discurso de tomada de posse, apelava contra as forças de bloqueio. A FNE também poderá ser uma força de bloqueio ou faz parte da solução?
Nós somos uma força de desbloqueio. Seremos sempre parte da solução. Dissemo-lo já ao anterior Governo. Mas para podermos ser parte da solução, é preciso que haja também da parte do Governo e do Ministério da Educação disponibilidade para o encontro de soluções. A partir do momento em que um dos lados da mesa é irredutível e não tem interesse nesse encontro de soluções, seja isso da parte do Governo ou das organizações sindicais, é evidente que os dados finais serão sempre piores.

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