SNS gastou 666 milhões com horas extras e tarefeiros em 2023. Custos subiram 65% em quatro anos

Profissionais fizeram 16,9 milhões de horas extras. Segundo dados provisórios do Ministério da Saúde, médicos foram responsáveis por 6,5 milhões de horas e os enfermeiros por 4,9 milhões.

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No final de 2023, muitos médicos apresentaram minutas para não realizaram mais horas extraordinárias além das 150 anuais a que estavam obrigados por lei Daniel Rocha
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A despesa do Serviço Nacional de Saúde (SNS) com horas extraordinárias e prestações de serviço ascendeu a 666,6 milhões de euros, em 2023, segundo dados provisórios enviados ao PÚBLICO pelo Ministério da Saúde. São mais 65%, quando comparada com os gastos assumidos em 2019 (405 milhões de euros), ano pré-pandemia.

No ano passado, os profissionais do SNS realizaram 16,9 milhões de horas extraordinárias. Segundo os dados partilhados pela tutela, só os médicos foram responsáveis por 6,5 milhões de horas e os enfermeiros por 4,9 milhões. Aos restantes profissionais, coube uma fatia de 5,4 milhões de horas suplementares.

“Após o pico verificado durante a pandemia, em 2023, pelo segundo ano consecutivo, foi possível diminuir o recurso a trabalho extraordinário no SNS, tendo sido realizados menos 1,5 milhões de horas extras do que no ano anterior”, salienta o ministério.

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A descida foi conseguida sobretudo através da redução das horas suplementares realizadas pelos enfermeiros – menos um milhão do que em 2022. Já nos médicos, o número de horas extras realizadas manteve-se em linha com as de 2022. Apesar da entrega de minutas por parte dos médicos, durante os últimos três meses do ano passado, escusando-se a realizar mais horas extras além das 150 anuais definidas por lei, que criaram fortes constrangimentos em muitas urgências.

Para a presidente da Federação Nacional dos Médicos (FNAM), a estabilidade no número de horas extras poderá ser efeito da entrega das minutas. “Se o número está em linha com o anterior, provavelmente é porque havia necessidade de mais horas extraordinárias que não foram feitas”, refere Joana Bordalo e Sá, assumindo que os números de 2023 em nada a surpreendem.

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“Só demonstram como faltam médicos para fazer o serviço normal e como se continua a recorrer a horas extraordinárias e prestações de serviço”, aponta, lamentando que o Ministério da Saúde não tenha incorporado as propostas apresentadas para melhoria de condições de trabalho nas negociações que decorreram durante 19 meses. “Precisamos de voltar à mesa negocial para negociar as condições salariais e o resto”, diz.

Gastos subiram

Mas se o número global de horas extras realizadas desceu, já os gastos subiram. No ano passado, o trabalho suplementar no SNS custou 463,5 milhões de euros, um acréscimo de cerca de 60 milhões face a 2022.

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O ministério explica que o aumento da despesa com horas extras “prende-se essencialmente com a aplicação do Decreto-Lei n.º 50-A/2022”, que procedeu à majoração da remuneração do trabalho suplementar consoantes as horas acumuladas – existam patamares de valores fixos de 50, 60 e 70 euros por hora, dependendo do número já realizado.

Este regime excepcional, criado ainda com Marta Temido à frente da pasta da Saúde, foi sendo prorrogado ao longo de 2023. Houve alterações que “implicaram a redução de regimes aplicáveis ao trabalho suplementar prestado pelos médicos, resultando numa redução do volume de horas a partir do qual o trabalho suplementar é majorado, o que implica um aumento de despesas com o trabalho suplementar”, explica o Ministério da Saúde.

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E se nas horas extras a tendência foi de descida, já nas horas realizadas por prestação de serviço (“tarefeiros”) registou-se o contrário. Se, em 2022, o SNS contratou perto de 5,7 milhões de horas, no ano passado esse número subiu para os 6 milhões. Destes, 4,9 milhões dizem respeito a horas de trabalho de médicos. Com reflexo nos gastos associados, que passaram de 170 milhões de euros em 2022 para 203 milhões no ano seguinte.

“Nota-se que o sistema continua a ser muito dependente das horas extraordinárias e das prestações de serviço. Precisamos de ter uma visão mais estruturada nos próximos anos”, diz o presidente da Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares (APAH), Xavier Barreto, esperando que este ano se possam ver algumas mudanças.

“O valor da hora extra deixou de ser majorado e, mesmo com o aumento salarial de base, que tem impacto no valor da hora suplementar, poderá haver uma redução dos custos. E nas prestações de serviço, por acção directa da Direcção Executiva do SNS, houve uma redução do valor/hora que se paga, no sentido de desincentivar este recurso”, explica Xavier Barreto.

Dedicação plena

O regime excepcional de majoração de valor das horas extras terminou a 10 de Janeiro deste ano, dando tempo à entrada em vigor, no primeiro dia de 2024, do novo regime de dedicação plena. Aplicado apenas aos médicos, não colheu o acordo dos sindicatos quando foi aprovado em Conselho de Ministros.

“A redução do recurso a trabalho extraordinário é um dos efeitos pretendidos com o novo regime de trabalho que valorizou a remuneração dos trabalhadores médicos e permitirá, nos próximos meses, promover uma organização interna das equipas mais eficiente”, disse o Ministério da Saúde.

Segundo os dados da tutela, em Janeiro deste ano os médicos realizaram 503 mil horas extraordinárias, quando no mesmo mês de 2023 foram 560 mil – menos 10,1%. Quanto a Fevereiro, a tendência foi a mesma: 529 mil este ano contra 563 no período homólogo do ano passado (menos 6%).

Nas horas realizadas por prestadores de serviço, o cenário foi de relativa estabilização. Em Janeiro e Fevereiro deste ano, contrataram-se 377 mil e 380 mil horas médicas através de prestações de serviço, respectivamente. Nos dois primeiros meses de 2023 foram 377 mil e 390 mil.

O regime de dedicação plena dos médicos implica 35 horas semanais de trabalho mais cinco complementares. Traz um suplemento salarial de 25%, mas também a obrigatoriedade de realização de mais horas extraordinárias, trabalho ao sábado para os médicos que não fazem urgência e o fim do descanso compensatório (as horas de descanso não descontam do total a realizar por semana).

Há um grupo de médicos – chefes de serviço ou departamento, saúde pública, unidades de saúde familiar modelo B e centros de responsabilidade integrada – para quem este é o regime-base, podendo opor-se-lhe até 25 de Março. Para os restantes, a adesão à dedicação plena pode ser feita de forma voluntária.

Até ao final de Fevereiro, 2860 médicos hospitalares – grande parte a trabalhar em unidades no Norte do país – fizeram-no, segundo contas do Ministério da Saúde divulgadas no início de Março.

“A adesão à dedicação plena foi aumentando progressivamente ao longo de Janeiro e Fevereiro. A redução de horas extras teve um sentido inverso. Não digo que a dedicação plena não possa eventualmente vir a ter alguma consequência para as horas extraordinárias e prestações de serviço. Mas não me parece uma relação de causa-consequência muito clara e acho que é cedo para tirarmos essa conclusão”, diz Xavier Barreto, referindo que as horas adicionais ganhas com este regime estão a ser sobretudo aplicadas em actividade programada.

Já Joana Bordalo e Sá admite essa ligação mais directa, na sequência do fim do descanso compensatório, que, aponta, “trouxe uma desregulação do horário semanal”. “Se fosse um bom regime, teríamos 100% dos médicos a aderir”, afirma, adiantando que a melhoria deste regime é um dos temas que querem ver renegociados com o novo Governo.

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