“Toda a população” de Gaza sofre de insegurança alimentar “aguda”
Nunca tantas pessoas tinham enfrentado “uma fome catastrófica”. ONU e ONG pedem aos países “com influência” que obriguem Israel a pôr fim ao bloqueio e às restrições de acesso.
Os mais de dois milhões de habitantes de Gaza vivem com “graves níveis de insegurança alimentar aguda”, afirmou o secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, ecoando os alertas que as agências das Nações não se cansam de repetir. Entre os 2,3 milhões de pessoas no território, 1,11 milhões sofrem de insegurança alimentar “catastrófica”, segundo a Classificação Integrada das Fases de Segurança Nutricional (IPC), cujos dados costumam ser vistos como cautelosos.
É a primeira vez que uma população inteira é classificada como sofrendo de “insegurança alimentar aguda”, admitiu Blinken, interrogado pela emissora pública britânica BBC.
"Este é o maior número de pessoas que enfrentam uma fome catastrófica alguma vez registado pelo sistema de Classificação Integrada de Segurança Alimentar – em qualquer lugar, em qualquer momento", sublinhara horas antes o secretário-geral da ONU, António Guterres. E para que não restem dúvidas sobre os motivos, “esta é uma tragédia provocada”, acrescentou.
Tratando-se de uma crise “completamente evitável”, reforçou o comissário da ONU para os Direitos Humanos, Volker Türk, as restrições impostas por Israel à entrada de ajuda no enclave palestiniano podem constituir o “uso da fome como método de guerra”. Uma denúncia deixada clara na véspera pelo alto representante da União Europeia para a Política Externa e de Segurança, Josep Borrell: “Sim, Israel está a provocar a fome a milhares de pessoas em Gaza”, disse.
“Israel, como potência ocupante, tem a obrigação de assegurar um fornecimento de alimentos e de cuidados médicos coincidentes com as necessidades da população e de facilitar o trabalho das organizações humanitárias que distribuem essa assistência”, afirmou Türk, através do seu porta-voz Jeremy Laurence. “Toda a gente, especialmente os que têm mais influência, têm de insistir para que Israel facilite a entrada e distribuição de assistência humanitária e de bens para pôr fim à actual situação e evitar os riscos de fome”, acrescentou.
A situação, terrível, aproxima-se de um ponto em que deixará de ser possível evitar números significativos de mortos por subnutrição e desidratação (pelo menos 23 crianças já morreram à fome no território). Por isso mesmo, os avisos têm subido de tom, com a chefe da USAid (agência norte-americana para o desenvolvimento), Samantha Power, a descrever o relatório do IPC como “um marco horrífico”, apelando a Israel para “agir de imediato para terminar este sofrimento maciço – e passível de ser prevenido”.
Num comunicado conjunto em que aplaudem “qualquer esforço” para fazer chegar ajuda a Gaza, a Amnistia Internacional e 24 outras organizações não-governamentais de assistência humanitária e de saúde lembram que nada substitui a distribuição de bens por terra feita pelos “trabalhadores humanitários profissionais que foram pré-posicionados, durante meses, no lado egípcio da fronteira”.
As organizações humanitárias têm a capacidade logística para prestar assistência aos 2,3 milhões de habitantes, insistem: “O que falta é a vontade política dos actores estatais para fazer cumprir o acesso.” As ONG pedem, por isso, aos Estados que “recorram ao seu poder de influência” e “obriguem as autoridades israelitas a terminar o bloqueio deliberado da ajuda vital, nomeadamente através da abertura e do levantamento das restrições nos postos de passagem [fronteira] de Rafah, Kerem Shalom/Karam Abu Salem, Erez/Beit Hanoun e Karni”.
Apesar do endurecimento das críticas da Administração norte-americana ao Governo israelita, Benjamin Netanyahu continua a não ceder em nenhum dos seus objectivos. Segundo a imprensa de Israel, Netanyahu deixou “extremamente claro” ao Presidente Joe Biden que o seu país está “determinado a completar a eliminação” do Hamas em Rafah, a cidade do Sul da Faixa de Gaza onde se concentra a maioria da população do enclave, e que isso “só pode ser feito através de uma operação terrestre – a mesma que a Casa Branca diz que Biden descrevera a Netanyahu como um “erro”.