Autobiografia do Papa Francisco aponta renúncia como “hipótese distante”

Papa escreveu uma carta de demissão, mas a renúncia é improvável. Autobiografia desmente conspirações relacionadas com o Vaticano e fala das duas mulheres por quem Bergoglio se apaixonou na juventude.

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Autobiografia do Papa Francisco é lançada nesta terça-feira, mas só chega a Portugal em Abril EPA/MAURIZIO BRAMBATTI
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O Papa Francisco classifica uma eventual renúncia ao papado como uma "hipótese distante", que só ocorreria devido a "grave impedimento físico", garantindo não ter qualquer problema de saúde que o exija, mas sim "muitos projectos para realizar".

Aos 87 anos, e na sua primeira autobiografia — Vida: A minha história através da História —, escrita em colaboração com o jornalista italiano Fabio Marchese Ragona, o Papa admite que, quando esteve hospitalizado no Vaticano, alguns estavam "mais interessados em política, em campanha eleitoral, quase pensando num novo conclave".

Neste livro, lançado nesta terça-feira, 19 de Março, em dezenas de países, e que chega a Portugal em Abril, Francisco sublinha que o papado é um trabalho para toda a vida, mas que, "se ocorrer um impedimento físico grave", já redigiu uma carta de demissão que está guardada na secretaria de Estado.

O Papa adianta que, se algum dia se visse obrigado a renunciar, não se chamaria Papa emérito, mas bispo emérito de Roma, dedicando-se a ser confessor.

Na obra, o pontífice aproveita, também, para garantir que não tenciona mudar as regras do conclave para eleger o seu sucessor, considerando informações publicadas nesse sentido por alguns meios de comunicação católicos norte-americanos ligados à área conservadora como "fabricações" para "criar agitação na Igreja".

"No que diz respeito ao conclave, alguns meios de comunicação social americanos difundiram a notícia de que tenho em mente mudar as regras, admitindo freiras e leigos na votação para a eleição do novo Papa: tudo isso é fantasia, fabricações postas em circulação, evidentemente, para criar agitação na Igreja e desorientação entre os fiéis", aponta Francisco no livro.

"É verdade que o Vaticano é a última monarquia absoluta da Europa e que aqui se fazem frequentemente raciocínios e manobras corteses, mas estes padrões devem ser definitivamente abandonados", acrescenta o pontífice no livro, de que o jornal italiano Corriere dela Sera antecipou alguns excertos.

A decisão de permitir que os padres católicos abençoem casais do mesmo sexo, bem como o apoio às uniões civis, embora excluindo o casamento homossexual, é também objecto de referência na autobiografia do antigo arcebispo de Buenos Aires, para quem Jesus passou algum tempo com pessoas que viviam à margem da sociedade, "e é isso que a Igreja deveria estar a fazer hoje com os membros da comunidade LGBTQ+".

Admitindo ter ficado magoado com a ideia de que estava a "destruir o papado", Francisco pronuncia-se sobre questões como o aborto, a barriga de aluguer, a sua relação com Bento XVI ou o futebol, uma sua paixão, referindo-se, nomeadamente, aos seus compatriotas Diego Maradona e Messi.

Recorda também a sua vida antes de ser ordenado padre, como a namorada que teve na adolescência, ou o que considera ter sido um "pequeno deslize" quando, ainda seminarista, ficou "deslumbrado" com uma rapariga que "lhe deu a volta à cabeça com a sua beleza e inteligência". "Durante uma semana, fiquei com a imagem dela na cabeça e tive dificuldade em rezar! Felizmente, isso passou e dediquei-me de corpo e alma à minha vocação", confessa Jorge Mário Bergoglio no livro.

Neste volume de cerca de 350 páginas, há ainda espaço para o seu papel durante a ditadura militar argentina de Jorge Videla (1976-1981). Os detractores de Francisco criticam a forma como lidou com o desaparecimento de dois missionários jesuítas que foram presos, torturados e depois libertados, na altura em que era chefe da ordem dos jesuítas na Argentina.

"As acusações contra mim continuaram até há pouco tempo, uma forma de vingança de certos esquerdistas que sabiam que eu me opunha a essas atrocidades", lamenta o antigo arcebispo de Buenos Aires, que sempre negou qualquer responsabilidade. "Mais tarde, algumas pessoas disseram-me que o Governo argentino da altura tinha tentado tudo para me enforcar, mas que não tinham encontrado provas: obviamente, eu estava inocente", escreve na sua autobiografia.