A chave para recuperar lugares em perda? A paisagem e quem a trabalha
Projecto da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto estudou várias aldeias da raia luso-espanhola. O resultado é um livro que retrata um território “progressivamente abandonado”.
Há uma tendência global a que Portugal e Espanha não escapam: os territórios rurais, de interior, vêem sair cada vez mais pessoas ao ponto de haver aldeias que se extinguem ou que se transformam em parques turísticos em homenagem ao que já foram. Mas há mais possibilidades, defende o investigador do Centro de Estudos de Arquitectura e Urbanismo (CEAU) da Universidade do Porto (UP), Rui Braz Afonso.
Nesta quarta-feira, ao final da tarde, foi apresentado o livro Lugares em Perda – Restos y Rastros, dirigido pelo também professor da Faculdade de Arquitectura da UP, que se debruça sobre um território interior transfronteiriço que vai do Tejo ao Douro, em Portugal e em Espanha.
O livro, que é uma sequência da linha de pesquisa Povoamento e Paisagem, tem textos do geógrafo João Ferrão, mas também do arquitecto e urbanista, Gregorio Vázquez Justel, e fotografias de Miguel Martín Hernandéz, que retratam as 11 localidades estudadas (oito em Espanha e três em Portugal).
O trabalho, explica Rui Braz Afonso, que falou com o PÚBLICO à margem da apresentação que teve lugar na FAUP, começou em 2012, com o cruzamento de vários académicos portugueses, italianos e espanhóis, que se voltaram a encontrar em seminários, ao longo dos anos, nos vários países, para discutir os problemas de um meio rural que vai ficando despovoado.
O académico chama “lugares em perda” aos “sítios que vão sendo progressivamente abandonados”. A pergunta de partida? “Se eu pusesse resumir por uma frase sintética, diria: como é que a paisagem ajuda a manter ainda estes lugares?”.
Antes de se fazerem ao trabalho de campo, os investigadores identificaram vários tipos de casos de estudo, visitaram perto de cem localidades e acabaram por seleccionar um grupo em que cada aldeia representava um perfil. Alguns em estado de “perda” mais avançado, outros que têm um horizonte de recuperação mais optimista.
Esse é o caso de Sobral de São Miguel, na Covilhã, apontado como exemplo de tratamento da paisagem produtiva (com pomares, olivais, vinhas e hortas) que ajudam a manter uma população de cerca de 200 pessoas.
O investigador insiste neste ponto como meio para inverter o ciclo: trabalhar com a paisagem para reter e fixar pessoas. Dá os já conhecidos exemplos de Idanha-a-Nova e Fundão como exemplos de que a interioridade não é uma sentença, mas há um factor que determina a capacidade de retenção dos lugares, nota: políticas públicas.
Havendo serviços e acessibilidade, é possível tirar partido de algumas dinâmicas como as de quem procura escapar ao bulício das áreas metropolitanas ou simplesmente regressar à terra de origem, nota.
"Desinvestimento brutal”
O trabalho de campo, que decorreu entre a Primavera de 2022 e o Outono de 2023, foi feito ao longo do tempo, com observação, entrevistas a habitantes, a responsáveis políticos locais, com regresso aos sítios ao longo do tempo. “Às vezes, os lugares parecem mortos”, contextualiza. Mas os residentes podem estar a trabalhar, ou estão fora, ou o ciclo do lugar faz com que haja menos pessoas em determinadas alturas do ano. Regressar a estes lugares foi, por isso, importante.
Mesmo que o académico esteja optimista, década após década, os números mostram um declínio acentuado de população nestes territórios. Isso deve-se a um “desinvestimento brutal” do Estado, uma explicação que se aplica aos dois lados da fronteira.
No livro editado pela FAUP estão também lugares nos quais há menos esperança de reversão, como os que estão em “ruína e abandono”, sem qualquer habitante. Há mais, refere o investigador, no texto: os “lugares com vida humana, mas sem campo para o trabalho agrícola”; aqueles em que a população foi “substituída por sistemas de acolhimento para forasteiros em demanda da ‘identidade perdida’ em ambiente naturalístico”; os lugares em que o domínio do território é determinante, mas também as “paisagens agredidas em nome do progresso”.
Na categoria dos sítios onde a “turistificação” tem um peso mais relevante, Rui Braz Afonso coloca Castelo Mendo, uma aldeia histórica no concelho de Almeida. Este lugar é escolhido para mostrar que a transformação em “parque temático” não pode ser a solução.
Quando, no seu texto, Gregorio Vázquez Justel menciona uma lista de princípios segundo os quais foi desenhada a área analisada, o arquitecto acrescenta-lhes o conhecimento e experiências prévias dos autores, com a sua vinculação profissional, cultural e emocional aos lugares e paisagens. É este também o caso de Rui Braz Afonso, que cresceu em Tortosendo, na Covilhã, não muito longe de alguns casos de estudo.
É, em parte, essa proximidade que o deixa confiante. Vai conhecendo a agricultura local, o vinho e o azeite que vão sendo produzidos e alimentam famílias e a economia. Está optimista porque olha “mais para os que resistem e para os que dão o exemplo” e isso permite imaginar outro futuro, desde que se inverta um ciclo de desinvestimento do Estado.