Continente vai contestar 1,3 milhões de taxa sobre lucros “excedentários”

Cláudia Azevedo aponta que investimento de mais de 600 milhões de euros em 2023 teria de gerar mais lucros e recusa ideia que a MC saiu beneficiada com inflação, antevendo baixa de preços em 2024.

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João Dolores, responsável financeiro da Sonae, durante a conferência de apresentação de resultados de 2023, na Maia Anna Costa
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A dona do Continente pagou 1,3 milhões de euros ao abrigo da taxa sobre lucros "excedentários", mas vai contestar essa cobrança, revelou esta quarta-feira a administração da Sonae, proprietária da MC (e do PÚBLICO). Este montante foi pago em 2023, incidindo sobre os resultados do exercício de 2022. Sobre o futuro, os responsáveis da Sonae acreditam que, sem outros choques, os preços nos supermercados deverão baixar este ano.

"Apurámos um valor de 1,3 milhões de euros, mas não reconhecemos esse conceito de lucro excessivo e vamos contestar o pagamento desse montante", confirmou João Dolores, responsável financeiro do grupo, durante a conferência de imprensa desta quarta-feira em que se detalharam as contas referentes a 2023, apresentadas, às primeiras horas do dia, junto da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, e em que dá conta de lucros de 354 milhões de euros.

Este resultado reflecte um crescimento de 6,4% em termos homólogos, impulsionado principalmente pelo crescimento de 10,5% da facturação da MC.

Aquela taxa foi criada no final de 2022, pela Assembleia da República, a partir de uma proposta de lei do Governo que está em vias de cessar funções. O objectivo, segundo o legislador, foi "acautelar que os consumidores não são indevidamente penalizados por um crescimento excessivo das margens", depois de a "crise provocado pela guerra [na Ucrânia]" ter gerado "uma escalada dos preços da energia e dos bens alimentares".

Assim, o Parlamento decidiu aplicar, de forma "temporária" e "excepcional" uma taxa de 33% sobre os lucros das empresas dos sectores da energia e da distribuição, sendo considerados excedentários, na definição dada pelo Conselho Europeu em Outubro desse ano, os lucros que se situem 20% acima da média registada no quadriénio 2018-2021 (ou 100% acima, quando essa média tiver sido negativa).

A proposta foi aprovada por PS, Bloco de Esquerda, PAN e Livre, teve a abstenção do PSD e PCP e o voto contra do Chega e da Iniciativa Liberal.

Comentando o tema, a presidente executiva do grupo Sonae, Cláudia Azevedo, recuperou argumentos que já tinha apresentado para lembrar, agora com o exemplo das contas de 2023, que o grupo empresarial que dirige investiu mais de 600 milhões no ano passado, o que teria de acarretar mais lucros. Caso contrário, observou, seriam maus gestores.

"Este modelo para mim não faz sentido. Nós investimos 600 milhões de euros, era óbvio que investindo [este montante] vamos ter mais lucros, porque vamos ter mais lojas. Portanto, taxar o desenvolvimento das empresas portuguesas parece-me que não faz sentido. Pelo contrário. Este ecossistema é muito virtuoso, deveríamos ter mais empresas a pagar impostos e o número de empresas portuguesas a pagar impostos é muito baixo, não transmite um clima saudável. São as empresas que criam riqueza, que criam emprego e é importante haver uma estabilidade para garantir o crescimento de Portugal", defende.

"Portugal precisa de crescer, senão não cria riqueza. Se não houver criação de riqueza não haverá o resto", prosseguiu.

Perante a insistência dos jornalistas sobre a questão dos preços, margens e lucros, Cláudia Azevedo garantiu que o grupo não beneficiou do aumento dos preços.

"Não nos favorece. O aumento de custos não é um acréscimo do nosso lucro. (...) O retalho alimentar em Portugal é altamente competitivo. Não há margem para não ter uma proposta de valor muito muito boa para os clientes. Se as coisas nos chegam mais caras, não podemos fazer muito mais. Tentámos a parte da energia, com os painéis fotovoltaicos, fazemos um esforço enorme aí, mas se as coisas estão mais caras, se o custo da mão-de-obra aumentou muito..."

João Dolores juntou mais contexto a esta explicação dizendo que "o aumento de preços que sentimos é menos de metade do aumento dos preços que chegou via preços do produtor. Foi feito um esforço muito grande de contenção no preço pela nossa parte, e tanto é que tivemos uma quebra de rentabilidade muito clara na nossa actividade de retalho alimentar, ao longo do ano de 2023".

Esta quebra está espelhada na redução da margem líquida, que baixou de 2,7% em 2022 para 2,6% em 2023, acrescentou Dolores, depois de uma descida de 3% para 2,7% entre 2021 e 2022.

Por comparação, o grupo Pingo Doce (detido pela Jerónimo Martins) anunciou que pagou 700 mil euros de taxa sobre lucros "excedentários", num ano em que a JM registou lucros de 590 milhões (2022). Em 2023, os lucros da JM cresceram mais de 28% para 756 milhões. Uma consolidação de contas em que Portugal (com o Pingo Doce e o Recheio) representou apenas 20% das vendas e 17% do resultados antes de juros, impostos, depreciações e amortizações, sendo os resultados finais maioritariamente sustentados na operação internacional do grupo na Polónia (Biedronka), que representou 84% do EBITDA.

Para 2024, a expectativa da Sonae é que a inflação nos alimentos baixe, disse Cláudia Azevedo. "Como vimos nestes últimos anos, há sempre novidades a acontecer, mas a nossa expectativa é que [os preços] baixem. Estavam em valores extraordinários, muito ligados aos preços da energia, e isso é imediatamente reflectido nos preços" gerais, concluiu.

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