E se ouvíssemos os jovens?

Os grandes problemas dos jovens, habitação e inflação, estão ambos relacionados com restrições ecológicas. Mas sobre isso, silêncio total na campanha eleitoral.

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Segundo as sondagens, 18% dos jovens (18 a 35 anos) pensam votar no Chega e 10% na Iniciativa Liberal. Votam nestes partidos porque os partidos tradicionais não tratam dos seus problemas, que são diferentes dos problemas dos seus pais, dizem jovens entrevistados pelo PÚBLICO. Só 3% dos jovens acredita que os governos resolverão os seus problemas, revela o inquérito da Open Society. As questões que aqui abordo não são explicitamente contempladas pelos jovens, mas se não as intuíssem, a sua descrença não seria tão radical. O facto é que 60% dos jovens sabe que terá um modo de vida diferente dos pais.

Os problemas dos jovens

Os grandes problemas dos jovens, habitação e inflação, estão ambos relacionados com restrições ecológicas. Mas sobre isso, silêncio total na campanha eleitoral.

Não lhes é dito, mas a crise da habitação não resulta só da especulação desenfreada. O aumento do preço das matérias-primas, a rarefação dos recursos, e a necessidade de descarbonizar o setor, entravam tanto a construção nova como a renovação de edifícios.

A agricultura tem mobilizado os países europeus por razões vitais. Com efeito, a soberania e a segurança alimentar dos europeus e a preservação do ambiente dependem das decisões tomadas para este sector (que emite 18% do CO2 e destrói a biodiversidade). Privilegia-se uma agricultura com menos produtos químicos, o que implica aumentar o preço da alimentação para garantir rendimentos dignos aos agricultores? Ou privilegia-se um preço baixo da alimentação, o que permite manter salários baixos, não enfrentar os lóbis da grande distribuição e da agro-indústria, e continuar as exportações da agricultura intensiva?

A segunda opção hipoteca o futuro dos jovens porque esgota as reservas de água e deteriora os solos, diminuindo a produtividade agrícola, em declínio já desde 2005. Como os ecossistemas se estão a deteriorar, os produtos que deles dependem vão forçosamente encarecer. A habitação representa 35% e a alimentação 20% da despesa das famílias portuguesas mais pobres, pesos que vão aumentar.

Se o salário é um fator decisivo na escolha do emprego, um inquérito do Ministério do Trabalho francês mostra que 69% dos jovens estão dispostos a mudar para um emprego que seja ecologicamente útil e 79% preferem um emprego presencial, porque dá sentido ao trabalho. Contrariando quem os considera individualistas e tecnófilos, muitos jovens descobrem o grande ensinamento da filosofia grega: não basta aumentar a riqueza, tem de se saber para quê.

Democracia, autoridade e responsabilidade

Só 57% dos jovens considera a democracia preferível a governos autoritários e 35% prefere um leader forte, que não se preocupe com eleições, revela o inquérito da Open Society. Parece, portanto, que os jovens seriam atraídos por ditaduras, mas estudos relatados na revista Uzbek et Rika mostram que querer personalidades fortes à frente do país não significa querer autoritarismos. Significa querer governantes eficazes.

Até aos anos 80, a democracia não era questionada porque era vista sobretudo como o oposto do totalitarismo e da ditadura. Mas os grandes problemas dos jovens exigem soluções de longo prazo, soluções dificilmente conciliáveis com ciclos eleitorais curtos e com eleitores e lóbis que privilegiam o curto prazo. Muitos jovens estão dispostos a comportar-se de modo a reduzir a sua pegada ecológica, o que muitos adultos das outras gerações recusam. Assim, alguns votarão Chega e IL, que sabem ser partidos climato-céticos, por ressentimento.

Uma jovem disse aos jornalistas do PÚBLICO: “O Governo tenta muito passar a responsabilidade para os indivíduos. Mas gostaria de senti-lo a tomar mais responsabilidade para regular as empresas [que contribuem para as alterações climáticas]”.

Os jovens intuem que é necessário repensar a relação entre liberdade e autoridade; intuem que querer livrar-se da autoridade é desistir de um mundo comum, como disse Hannah Arendt. Apercebem-se que os atuais governantes não assumem a responsabilidade que está associada ao exercício da autoridade: a de zelar pelo bem comum, o bem de todos.

Há dias, na minha aldeia, um grupo de octogenários disse, por palavras suas, o que pensam os jovens dos políticos do arco da governação: “não têm os t*****s no sítio”. A atenção também não, digo eu.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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