Mortágua foi à feira e ouviu o que queria: pedidos de coligação e “coisas concretas”

Numa feira em Braga, o BE ouviu pedidos por um acordo político à esquerda, críticas à maioria absoluta do PS ou apelos para centrar o debate em propostas.

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Mariana Mortágua tenta chegar a uma vendedora na Feira de Vila Nova de Famalicão LUSA/ESTELA SILVA
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Na feira de Vila Nova de Famalicão, logo pela manhã, vêem-se bandeiras do PS, da AD, da CDU e do BE, mas só um líder partidário: Mariana Mortágua, que, de tambores e gaitas de foles atrás, não se chegou a cruzar com as outras comitivas. Entre beijinhos, selfies e muitos pedidos, a ida ao mercado voltou a mostrar o que outras arruadas já deixavam ver. A líder do BE gera simpatia entre os idosos e as mulheres — a par dos jovens que, no mercado, eram poucos ou nenhuns.

Avançando a passo lento, junto a Pedro Filipe Soares e Bruno Maia, primeiro candidato por Braga, Mortágua vai-se metendo com os feirantes e, pelo caminho, pede desculpa pela confusão de jornalistas que vai gerando."Está tudo rijo?", pergunta, sempre de sorriso na cara.

Entre uma banca de tapetes e uma rulote de pão, uma senhora já com alguma idade dá-lhe um recado: o PSD de Pedro Passos Coelho "queria que os trabalhadores trabalhassem ao sábado e ainda não vos ouvi a dizer isto". "É preciso dizer porque o povo anda a dormir", avisa. "E só não fez mais porque não o deixaram", acrescenta Mortágua.

As filhas, ambas professoras, não estavam presentes, mas a senhora recordou-as para também criticar o PS: "Este governo também fez mal", lamentou, levando a líder do BE a concordar: "Tratou mal os professores".

A autarquia de Famalicão pode ser do PSD, mas, na feira, as pessoas rumavam para outro lado. "A gente confia na esquerda", dizia uma senhora. “Tomara que, se o PS ganhar, você faça coligação com o PS”, confessou um homem. Habituados a ver políticos passar, nem todos se entusiasmavam com a passagem dos bloquistas. Mas foram muitos os que deram apoio, com juras de que "podem contar" com o seu voto ou incentivos para que Mortágua "continue, que vai bem". Em particular, por parte das mulheres.

"Você tem que fazer ver aos homens quem são as mulheres. Tapar os buracos que eles deixam", sugere uma, entre risos, logo ao início da feira. "É uma grande mensagem", responde Mariana, que, daí em diante, passa a usá-la. Uns passos à frente, garante a três senhoras que vai "lutar para ter mulheres no poder". "Bem precisamos", respondem-lhe. E, já a meio da visita, conta a uma senhora que, apesar de ser alentejana, foi até ao Norte para "cumprimentar as mulheres de Famalicão, gente que trabalha".

"É pena não estar noutro partido"

Como já é costume, houve também algumas confusões em relação à identidade da líder do BE. "É a Joana [Mortágua]?", pergunta uma senhora. "Sou Mariana de nascença. Foi assim que a minha mãe me baptizou. Fui a primeira e saí logo Mariana", brinca, provocando risos.

Entre bancas de hortaliças, uma vendedora também pergunta para outra: "Esta qual é?". E sai disparada para ver. Assim que se dá conta, não se inibe de falar à líder bloquista. "É pena não estares noutro partido, ias longe", diz. A comitiva ri-se, mas a senhora insiste: "Gosto muito de te ouvir falar. Se estivesses no PS ou no PSD estavas lá na frente".

Entre risos, Mariana explica que, se assim fosse, "não podia dizer as coisas" que diz "para denunciar quem anda aí a viver à custa do trabalho dos outros". Foi uma ideia que repetiu aos vários feirantes e que foi sendo bem recebida: "Há quem ganhe pouco e quem receba muito", concordou uma vendedora de legumes.

Mais do que elogios, contudo, as pessoas aproveitam para pedir a Mortágua que "faça alguma coisa pelos desempregados" ou "mais pelos ex-combatentes". Prontamente, a bloquista garante que está "cá para isso": "As pessoas desempregadas não o estão porque querem, merecem todo o respeito". Como os antigos combatentes, "gente que sofreu muito pelo país" e "tem de ser respeitada por isso", defende.

As maiores críticas vêm de um senhor que, junto a uma banca de roupa, se queixa de que a campanha "é só lavagem de roupa suja" e que o BE não fala de "coisas concretas". O preço do gás, do azeite e do arroz subiu e "ninguém fala disto", condena. "Falo, falo", retorque Mortágua, que passa a lembrar as propostas do BE para baixar o IVA do gás para 6% e dos bens essenciais para 0%. "Todos os dias falamos dessas propostas e para aumentar os salários e as pensões. Roupa suja aqui não se lava", garante.

Mortágua traça objectivos eleitorais

Num momento em que tenta forçar o PS a focar-se nos "conteúdos" de um acordo, foi também essa a ideia que Mortágua tentou passar aos jornalistas. Frente às câmaras, insistiu que é preciso votar no BE para garantir "duas coisas": que há uma "maioria de esquerda" e que ela "serve para ter medidas para resolver a crise da habitação e da saúde" ou dos "salários" e das "pensões." Mas houve uma que escolheu destacar: uma licença de cinco dias remunerados para quem tem filhos, para que "tenha mais tempo livre" para estar com a família e "dar assistência".

Quanto a objectivos eleitorais, Mortágua continua a não concretizar um número. "O objectivo é crescer tanto quanto possível" para "corrigir os erros da maioria absoluta", repete. Mas, desta vez, foi mais longe ao dizer claramente que tem a "confiança" de que "vai eleger em Braga, Aveiro, Coimbra, Santarém e Faro". O BE já elegeu um deputado em Braga, em 2015, e chegou mesmo a ter dois, em 2019.

Louçã coloca "responsabilidade" em quem votou no PS

Quem também apelou ao voto em Braga foi Francisco Louçã, fundador e ex-líder do BE, que se juntou à arruada e ao comício desta quinta-feira. Num discurso de 20 minutos, em que acusou a direita de "querer ser a extrema-direita" e de se ter entregado a uma "sequela de venturices" (como a posição sobre a imigração e o aborto), tentou agarrar o voto dos desiludidos com a maioria absoluta do PS, dos indecisos e dos descontentes que podem pender para a direita.

Por um lado, atacou o "desastre" da maioria absoluta para dizer aos arrependidos no voto no PS em 2022 que podem "corrigir" esse caminho votando no BE. "A responsabilidade maior é do povo que votou no PS e sofreu com a maioria absoluta", defendeu mesmo, lembrando como o BE está disponível para "convergências" à esquerda.

Por outro, disse aos indecisos que "é possível" chegar a soluções para a educação, a saúde, os salários, a habitação, o trabalho ou as pensões. E, por fim, garantiu que o BE "é o povo contra a direita e a extrema-direita". "O melhor lugar para garantir que não haverá governo da AD com a IL é se no BE se concentrarem os votos", apelou, tentando afastar o voto no PS.

"Quem vota tem escolha. Ou deixa andar ou pára a ganância aqui; ou permite a austeridade que alimenta o privilégio ou defende os seus; ou cala ou diz o que quer", resumiu, numa intervenção em que insistiu repetidamente na ideia de que o BE se bate por "medidas concretas" para "os debaixo" — a "maioria" — e "contra os interesses subterrâneos que governam o país".

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