A reposição da verdade

Foi o governo presidido por José Sócrates que iniciou uma verdadeira política de austeridade; foi o PS que se rendeu às condições impostas pela troika ao país.

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Escrevo este texto na sequência de múltiplas afirmações sobre o Governo de Passos Coelho que, no seu conjunto, enfermam de graus intoleráveis de falsidades.

A primeira falsidade tem a ver com a acusação sistemática ao Governo de Passos Coelho, apontando-lhe a autoria de todas as maldades e sacrifícios impostos aos portugueses, omitindo, de forma intencional, que foi o Governo presidido por José Sócrates que, ainda antes da intervenção da troika, cortou salários e procedeu a um aumento da taxa do IVA de 21% para 23%, e que depois que acordou com a troika a redação de um programa no qual se comprometeu, em detalhe, com a execução de todo o conjunto de medidas que vieram a ser aplicadas.

Na qualidade de presidente do Conselho Económico e Social acompanhei muito de perto a execução desse programa de assistência e, por várias vezes, manifestei a opinião de que o programa não tinha em consideração aspetos fundamentais que caraterizavam a economia portuguesa. Era desajustado, suportado por políticas erradas e obrigava a sacrifícios que poderiam ter sido evitados. Participei em várias reuniões com os representantes da troika e rapidamente percebi que quem mandava era o Fundo Monetário Internacional. Nas reuniões que tive com a troika, o representante do Banco Central Europeu entrava mudo e saía calado e o representante da Comissão Europeia limitava-se a ler uns textos que trazia já escritos de Bruxelas.

A visibilidade das minhas posições levou a que o representante do FMI, o senhor Thompson, solicitasse ao então secretário de Estado Carlos Moedas uma reunião comigo. Essa reunião teve lugar na residência oficial do primeiro-ministro, com a presença de Carlos Moedas. Foi um encontro truculento em que fui expondo os meus argumentos, aos quais o senhor Thompson se esquivava e que terminou com uma sua afirmação, em que dizia que, a serem seguidas as minhas recomendações, o Governo teria que pedir mais dinheiro à troika. Para ele o programa era perfeito e as minhas objeções só poderiam ser resolvidas com um aumento do volume do empréstimo.

O secretário de Estado Carlos Moedas acompanhou-me à porta de saída e, ao despedir-se, disse-me que “o Thompson tinha de ouvir o que lhe disse”, o que significou para mim que, no próprio Governo, se sentia algum desconforto com a execução do programa. Mais tarde, seria o próprio Fundo Monetário Internacional a reconhecer de forma pública e oficial, que o programa aplicado a Portugal tinha sido mal desenhado.

Apesar de todas as vicissitudes, os objetivos do programa da troika foram atingidos e aí surge a segunda falsidade, a de imputar a Passos Coelho uma intencional maldade, a raiar o sadismo, o querer, de moto próprio, fazer sofrer os portugueses. Omitem, intencional e hipocritamente, o facto de, apesar de todas essas apelidadas patifarias, em cuja conceção o PS participou ativamente, foi Passos Coelho que venceu as eleições que se seguiram.

A verdade histórica é a seguinte: primeiro, a intervenção da troika foi o resultado de políticas erradas de governo socialista; segundo, foi o esse governo, presidido por José Sócrates que iniciou uma verdadeira política de austeridade; terceiro, foi o PS que se rendeu às condições impostas pela troika ao país, limitando-se o PSD, numa atitude patriótica, quando praticamente já estava tudo decidido, a caucionar o dito programa.

A execução do programa poderia ter sido diferente se houvesse alguma flexibilidade por parte da troika, que nunca existiu. A capacidade de manobra do Governo de Passos Coelho foi praticamente nula, mas a verdade é que os objetivos foram conseguidos e o país ficou em condições de entrar num novo ciclo.

Se há um erro a apontar a Passos Coelho foi o de ter optado por falar no diabo e não ter dito de forma explícita que o seu governo deixou Portugal em condições de sair de procedimento por défice excessivo, de atingir metas de crescimento económico ambiciosas, de devolver os rendimentos aos portugueses, que tinham sido retirados por causa da aplicação do programa da troika negociado pelo Governo do PS, e de, a partir dessa altura, ver reunidas as condições para serem executadas as reformas necessárias ao desenvolvimento do país.

O Governo de António Costa limitou-se a controlar o défice e a fazer o mais fácil, a devolução de rendimentos. Enquanto governou, descurou o investimento público, não foi sensível ao injusto aumento das desigualdades sociais e deixou a administração pública e os serviços do Estado entrar num pântano de que não há memória.

(Ex-membro dos governos de Pintassilgo, Sá Carneiro e Cavaco Silva)

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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