Bem-vindos à Ilha dos Gatos da China, a casa dos felinos que esperam por uma nova família em segurança

Foram resgatados das ruas de Xangai e de quem é a favor do abate de animais errantes. Agora descansam à sombra de túneis cobertos com relva, em templos ou nos jardins.

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Yufan Lu
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O lugar mais feliz do mundo para os gatos pode ser aqui, na Ilha dos Gatos, um parque de diversões felino a poucos quilómetros da Disneylândia de Xangai, na China. Enquanto os humanos fazem barulho nas atracções, os mais de 400 gatos que vivem na Ilha dos Gatos descansam à sombra de túneis cobertos de relva construídos especialmente para o efeito ou em pagodes (templos). Atravessam uma ponte de madeira e passeiam pelos pomares de peras e os mais corajosos aventuram-se no estábulo dos cavalos.

Os residentes que aqui estão eram gatos vadios que viviam no centro de Xangai, cidade que tem 25 milhões de habitantes e entre 400 mil e 1,5 milhões de felinos errantes. Contudo, estão a ser criados esforços para conter o crescimento da população selvagem [destes animais] na cidade e para encontrar uma casa pelo menos para alguns dos gatos recentemente esterilizados.

Todos os felinos da Ilha dos Gatos estão disponíveis para adopção. E muitos dos "cafés para gatos" que existem em Xangai fazem algo semelhante: oferecem um espaço onde as pessoas se podem relacionar com os animais e, eventualmente, levar para casa um gato castrado e, às vezes, tímido.

Na China, não existe um organismo equivalente à Sociedade Americana para a Prevenção da Crueldade contra os Animais (ASPCA, na sigla original), organização sem fins lucrativos que luta pelos direitos das espécies nos EUA. Em vez disso, cabe a organizações como esta intervir para salvar gatos — das ruas ou de pessoas que defendem o abate.

"A adopção de gatos tornou-se bastante popular nos últimos anos, especialmente entre a geração mais jovem", afirma Erica Guo, proprietária do More Meow Garden, um café onde vivem gatos resgatados.

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Yufan Lu/The Washington Post
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A ideia de ter um gato, ou um cão, como animal de companhia é relativamente recente na China. Isto acontece porque a maioria da população está apenas a algumas gerações de distância da vida rural e muitos ainda vêem os animais como gado ou caçadores de ratos e não como companheiros.

No entanto, à medida que o nível de vida aumenta, a opinião sobre as espécies também mudou. Os chineses mais jovens partilham cada vez mais as casas com animais de companhia — muitas vezes em alternativa a terem filhos — e são vistos a passear regularmente os gatos em mochilas transparentes ou com trelas.

Neste momento, os analistas estimam que existam cerca de 51 milhões de cães e 65 milhões de gatos de estimação nas zonas citadinas da China. Estes valores geraram uma gigantesca economia com foco nos animais, tendo em conta que a indústria chinesa deste sector registou 44 mil milhões de dólares (quase 41 mil milhões de euros) em 2020.

Esta popularização de animais de companhia tornou-se muitas vezes — e até tragicamente — óbvia durante os confinamentos da de 2022 motivados pela covid, que foram particularmente longos e severos em Xangai. Quando as pessoas eram levadas para centros de quarentena, os seus animais eram muitas vezes abatidos ou abandonados para morrerem.

No final de 2022, meses depois do fim do mais longo confinamento nesta cidade, uma fundação sem fins lucrativos afiliada ao Governo chinês inaugurou a Base de Animais de Estimação de Xangai, [um espaço] com 52 hectares do qual faz parte a Ilha dos Gatos.

A associação resgata e esteriliza animais errantes para depois os devolver às zonas onde foram encontrados. Quando tal não é possível, são realojados na Ilha dos Gatos.

"Isto é o que podemos fazer, aqui e agora", afirmou Zha Zhenliang, funcionário responsável pela Ilha dos Gatos e pela Base de Animais de Estimação. "Esperamos que cada complexo [de apartamentos] possa ter a sua própria 'ilha dos gatos', um lugar seguro para os animais", defendeu, acrescentando que gostaria de que as pessoas que os alimentam pudessem fazê-lo sem restrições. Na China, alimentar os gatos vadios pode ser uma prática controversa e desencadear conflitos entre quem gosta de gatos e os vizinhos que querem que os animais sejam abatidos.

Para adoptarem um felino da Ilha dos Gatos, as pessoas têm primeiro de se deslocar ao local remoto e relvado nos arredores de Xangai — uma localização semi-rural escolhida para evitar irritar os vizinhos. Depois disto, são obrigados a fazer um curso sobre como cuidar dos animais e a aceitarem que a sua casa seja inspeccionada por videochamada para verificar se é adequada. Estas precauções significam que o número de adopções não está a fazer face ao problema: em 18 meses, apenas 130 gatos foram levados para novas casas.

Casas para gatos comuns

Há também locais mais acessíveis para interagir com gatos — e potencialmente levar um para casa. Xangai assistiu a uma explosão do número de "cafés para gatos", onde os clientes podem brincar com alguns felinos e, por vezes, beber um café.

Erica, que abriu o café More Meow Garden, no centro de Xangai, há cinco anos (que, na realidade é um escritório com prateleiras verticais para os felinos poderem trepar e dormir), afirma que o espaço é totalmente habitado por gatos de rua que foram resgatados.

"Um café para gatos não é apenas um lugar para os felinos e as pessoas interagirem, é também uma oportunidade para os potenciais adoptantes contactarem plenamente com os animais e perceberem se querem mesmo ter um animal de companhia para se juntar à família", destaca Erica, que consegue que um gato seja adoptado por mês, um total de 64 até agora.

Há um obstáculo fundamental para aumentar esse número: muitos dos habitantes de Xangai, preocupados com o seu estatuto, querem ter gatos de que se possam gabar nas redes sociais e, por isso, compram ou adoptam os de raça pura e não os vadios que a Ilha dos Gatos e o More Meow têm para oferecer. "A maioria das pessoas aqui vê um gato e pensa se ele vale dinheiro ou não, se está limpo ou não, quando na verdade a única coisa que é importante é a saúde dos animais. Por isso, temos de gerir as pessoas ainda mais do que os gatos", revela Zha, da Ilha dos Gatos.

Os abrigos independentes e as organizações não oficiais fazem a maior parte do trabalho de cuidar dos animais que vivem nas ruas desta cidade chinesa, desde colaborações em todos os bairros para alimentar os felinos até perto de 50 grupos criados para os resgatar.

Gatos no café More Meow Garden Yufan Lu/The Washington Post
Os clientes podem interagir com os animais e adoptar um Yufan Lu/The Washington Post
Os mais jovens são os que mais adoptam gatos na China Yufan Lu/The Washington Post
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Gatos no café More Meow Garden Yufan Lu/The Washington Post

"Calculo que existam centenas de abrigos privados, grandes e pequenos, em Xangai", diz Angelika Ma, fundadora do abrigo privado Nekoshelter, na zona ocidental de Xangai. (A palavra japonesa "neko" significa gato.) "O problema é que muitas vezes são geridos por pessoas idosas e carenciadas, que não têm capacidade para proporcionar um abrigo estável e encontrar uma casa para os animais", completa.

Algumas organizações de resgate independentes têm como objectivo nichos específicos, mas a maioria concentra-se na difícil tarefa de encontrar uma família para os animais. Para ajudar, vários grupos, como o que organiza o Dia de Adopção de Xangai, levam gatos resgatados a espaços públicos, como centros comerciais, para lhes tentar encontrar uma nova casa. A par disto, as plataformas de adopção online assemelham-se a aplicações de encontros, com a descrição da personalidade dos animais e fotografias que os favorecem.

A morte chocante do gato Zorro

Apesar de muitas pessoas que alimentam gatos errantes em complexos e parques o façam durante a noite, surgiu um movimento bastante organizado no Jing'an Sculpture Park, no centro da cidade. Mais de 130 voluntários que gostam de gatos coordenam os turnos de alimentação e pagam a comida e os cuidados médicos dos gatos do parque em conjunto. Também tentam encontrar casas para os mais amigáveis.

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Dia da Adopção em Xangai Yufan Lu/The Washington Post

Segundo Bon Wen, um dos voluntários, o parque tem cerca de 100 gatos, sendo que o grupo já castrou mais de 90.

A direcção do parque aprovou tacitamente os esforços da equipa, mas foi forçada a assumir um papel mais activo em Maio de 2023, depois de Zorro, um "gato-vaca" de pêlo preto e branco que se tornou famoso nas redes sociais, ter sido morto. Os fãs do animal fizeram um santuário à luz de velas no local onde o corpo foi encontrado.

A par disto, registaram-se outras mortes e ferimentos a felinos. Segundo Bon, "não há uma boa maneira de evitar que as pessoas magoem gatos". "Todos temos de ir trabalhar e ter as nossas próprias vidas. É impossível ficar a guardar o parque durante 24 horas."

A morte de Zorro, juntamente com um mercado crescente de vídeos de tortura de animais, suscitou indignação nas redes sociais a nível nacional e renovou os apelos a uma lei de protecção dos animais na China. Este país não tem leis contra a crueldade ou o abandono de animais e a legislação agrícola existente apenas proíbe a venda de animais vadios a matadouros, deixando de fora os maus tratos para fins recreativos. Nas redes sociais, utilizadores e alguns legisladores propuseram alargar a protecção dos animais selvagens aos animais de companhia.

No entanto, à medida que a sociedade muda, Zha considera essencial uma lei de protecção dos animais. "Sem uma lei destas, temos de estabelecer um padrão social que isole e coloque na lista negra os agressores de animais", reitera.

Impedir que os gatos de rua tenham sete (ou mais) vidas

Segundo Angelika Ma, funcionária do abrigo Neloshelter, as atitudes estão a mudar, mas muito lentamente. Diz que é necessário educar as pessoas sobre como cuidar dos animais de companhia e punir quem os abandona. Posteriormente, as autoridades chinesas devem combater a criação excessiva de cães e gatos de raça. "Têm de começar a tentar ir à raiz do problema", destaca.

Enquanto os esforços para realojar os gatos castrados prosseguem, ainda que lentamente, o principal objectivo dos activistas da causa animal é a retirada dos gatos vadios de Xangai para reduzir a população. O programa de captura, esterilização e devolução é fundamental para esse esforço, e um dos heróis do movimento é Yin Xiaojun ou Stone, como é conhecido, que se dedica a capturar gatos.

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Os gatos de rua são levados para o veterinário para serem castrados Yufan Lu/The Washington Post
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Stone é um dos responsáveis por capturar gatos errantes e levá-los ao veterinário Yufan Lu/The Washington Post

Yin, que durante o dia trabalha como gestor numa empresa, é chamado quase todas as noites para resgatar animais de estimação nos telhados, libertar outros que ficaram presos nos esgotos e persuadir os selvagens com uma ida ao veterinário.

O gestor diz ter capturado mais de quatro mil animais por ano nos últimos cinco anos, quase todos para serem castrados. "Ensinei-me a mim próprio. A caça é a habilidade masculina mais primitiva, é natural, e a emoção de uma captura bem-sucedida é viciante", afirma.

Uma vez capturados, os felinos agitados acalmam-se facilmente para a viagem até ao veterinário para serem castrados. Depois de vários dias de recuperação, regressam à transportadora para a viagem de regresso a casa, com as orelhas cortadas para serem identificados no futuro. Um já está, falta um milhão.


Exclusivo PÚBLICO/ The Washington Post

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