Existe relação entre imigração e segurança, como sugeriu Passos Coelho? Não
Desde 2014, número de imigrantes quase duplicou e a criminalidade não seguiu esta tendência — a criminalidade grave até é menor. Percentagem de reclusos estrangeiros também diminuiu na última década.
A frase
“Nós precisamos de ter um país aberto à imigração, mas cuidado, que precisamos também de ter um país seguro...” — Pedro Passos Coelho
O contexto
Durante uma intervenção no comício da Aliança Democrática (AD) em Faro, esta segunda-feira, Pedro Passos Coelho aproveitou para recuperar uma afirmação sua de 2016: “Nós precisamos de ter um país aberto à imigração, mas cuidado, que precisamos de ter um país seguro...”
“Hoje, as pessoas sentem uma insegurança que é resultado da falta de investimento e prioridade que se deu a essas matérias”, disse ainda o antigo primeiro-ministro.
Os factos
Vamos por partes: não há indícios factuais de que o aumento da imigração em Portugal que se tem verificado nos últimos anos esteja relacionado com a suposta sensação de “insegurança” mencionada pelo antigo líder social-democrata.
No Global Peace Index de 2023 (Índice de Paz Global, numa tradução livre para português), Portugal foi considerado o 7.º país mais pacífico do mundo, subindo uma posição em relação ao ano anterior. Surge atrás apenas da Islândia, Dinamarca, Irlanda, Nova Zelândia, Áustria e Singapura.
No documento, o “índice de paz” é medido com base em três domínios: segurança, presença de conflitos internos ou internacionais e grau de militarização.
O Relatório Anual de Segurança Interna de 2022 (o mais recente) revela que se registaram, nesse ano, 343.845 crimes, um número bastante superior (mais cerca de 40 mil ocorrências) aos números anormalmente baixos de 2020 e 2021 (anos de pandemia). Porém, sublinhe-se, o número é ainda inferior ao registado, por exemplo, em 2014 e 2015, os dois últimos anos de governação de Pedro Passos Coelho (351.311 e 356.032 ocorrências, respectivamente).
A criminalidade violenta e grave também atingiu o terceiro número mais baixo desde 2014, atrás de 2020 e 2021.
Analisando os números da população prisional no mesmo relatório, percebe-se que 84,7% dos reclusos são portugueses. A relação entre reclusos estrangeiros e portugueses “manteve-se estável”, como detalha o documento. O número de reclusos estrangeiros em proporção ao número total também diminuiu 3,8% na última década.
No mesmo período, segundo dados do relatório anual do Observatório de Migrações, entre 2014 e 2022, o número de estrangeiros com título de residência válido em Portugal tendeu a crescer quase sempre (baixando apenas entre 2014 e 2015) até aos 781.915.
Não se verifica, também, correlação entre o aumento do número de estrangeiros em Portugal e a criminalidade reportada. Entre 2014 e 2022, o número de estrangeiros aumentou em cerca de 98%, de acordo com os números do Observatório de Migrações. Porém, o número de crimes participados em 2022, apesar do aumento em relação ao ano anterior, continua a ser inferior a valores de 2014 e 2015, quando a população imigrante era praticamente metade da actual.
Sublinhe-se que, de acordo com o Relatório Anual sobre a situação da Igualdade e Não Discriminação Racial e Étnica, 2022 foi o segundo ano com mais queixas recebidas pela Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial (depois de 2020) – 491. Mais de metade das queixas (51,7%) incluíram a nacionalidade dos indivíduos como factor de discriminação.
De acordo com Barómetro APAV/Intercampus de 2023, como escreveu a Lusa, a “sensação de insegurança” aumentou, efectivamente, no povo português. Porém, 90% das pessoas afirmaram sentir-se seguras na zona de residência.
Portugal é também um dos países da Europa em que a população considera que os imigrantes não contribuem para o aumento da criminalidade, segundo os dados do estudo dos valores europeus, consultados no relatório anual do Observatório das Migrações).
Veredicto
Vários relatórios indicam que não há ligação entre a entrada de imigrantes e o número de crimes praticados em Portugal ou a segurança do país.
Artigo editado às 11h25 de 28 de Fevereiro para correcção no título