Não veio a bem, terá de ir a mal. Ou, dito de forma mais correcta, não chegou de forma natural, terá de ser forçada. A Empresa de Desenvolvimento e Infra-Estruturas de Alqueva (EDIA) vai proceder a uma simulação de cheia “para limpeza e manutenção dos ecossistemas ribeirinhos no leito do rio Guadiana até à foz”. “É uma pena perder 45hm3 de água, mas é o preço a pagar para termos paz com a natureza", justifica a EDIA. Serviços de protecção civil estarão atentos para proteger pessoas e bens.
Assim, e com início no final do dia de amanhã, 27 de Fevereiro e até ao dia 29 de Fevereiro, a partir da barragem de Pedrógão, estrutura que funciona como contra-embalse da barragem de Alqueva, será libertada uma média de 300 metros cúbicos (m3) de água por segundo até perfazer um total de 45 hectómetros cúbicos (hm3).
É o segundo ano consecutivo que obriga esta simulação de cheia, tendo em conta que esta não ocorreu de forma natural. O caudal a descarregar, a partir da barragem de Pedrógão, “irá registar um aumento gradual durante as primeiras três horas e, depois, um decréscimo gradual de idêntica duração na fase final”. Esta condição é designada por caudais de cheia.
José Pedro Salema, presidente da EDIA, explicou ao PÚBLICO que esta operação terá, inevitavelmente, de ocorrer até final de Fevereiro, sempre que “em anos não secos”, como tem sido o período que decorre entre o início de Novembro de 2023 e o final de Fevereiro em curso, “não tiver ocorrido uma cheia natural”, ou seja: se a jusante da barragem de Pedrógão as afluências naturais não atingirem valores iguais ou superiores a 300m3/s, registados na secção do Pulo do Lobo.
Quando se observa esta circunstância, a EDIA terá de proceder a uma simulação de cheia até final de Fevereiro. De outra forma “não haverá sardinha e outras variedades de peixe no Algarve” que garantam a actividade aos pescadores, frisa Pedro Salema, com nova explicação: “Quando fazemos uma barragem, estamos a alterar o regime natural de um rio.”
Com efeito, a descarga de um grande volume de água, além de beneficiar os ecossistemas ribeirinhos, recoloca na foz do Guadiana sedimentos e nutrientes necessários ao pesqueiro algarvio. “É uma pena perder 45hm3 de água, mas é o preço a pagar para termos paz com a natureza", acrescenta o presidente da EDIA, consciente das críticas e dos protestos que a libertação deste débito pode gerar, sobretudo no Algarve, para onde se espera um ano crítico no acesso à água para consumo humano, a agricultura e o turismo. O mesmo se espera no Alentejo, onde a nova agricultura, grande consumidora de água, teme que a água possa vir a escassear em tempo de alterações climáticas.
Descarga pode enfurecer Huelva
Além do mais, prossegue Pedro Salema, “este ano não temos argumentos nenhuns para não proceder a uma simulação de cheia”, chamando a atenção para um dado incontornável: “Temos a albufeira de Alqueva acima dos 80%, os solos saturados de água e as ribeiras a correr, com excepção do Algarve e da barragem do Mira. Não estamos a viver uma crise de escassez na bacia do Guadiana em território português."
Resta saber o que dirá o sector agrícola da região espanhola de Huelva, que insiste em reclamar, junto das autoridades portuguesas, cerca de 75hm3 a partir de Alqueva para garantir as culturas de frutos vermelhos e citrinos.
O caudal de 45hm3 a libertar representa cerca de 7% do volume encaixado em Alqueva desde o dia 1 de Janeiro até hoje, 26 de Fevereiro. Um tal volume de descarga “não põe em causa a garantia de água de Alqueva para os diferentes fins a que se destina, nomeadamente agricultura, abastecimento público e industrial e produção de energia hidroeléctrica", garante a EDIA.
Os serviços de protecção civil dos concelhos atravessados pelo rio Guadiana e associação de pescadores profissionais já foram informados da operação, para que seja garantida a “salvaguarda de pessoas e bens” face à subida do nível do rio Guadiana, a jusante da barragem de Pedrógão, entre os dias 27 e 29 de Fevereiro.