SNS faz transplante hepático pioneiro na Europa com recurso a cirurgia robótica

Foi a primeira intervenção em Portugal e na Europa. Apenas uma equipa nos Estados Unidos da América realizou uma cirurgia semelhante, de um transplante com fígado completo, em 2021.

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Cirurgião principal comanda os braços do robot durante o transplante Unidade Local de Saúde de São José
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O Centro Hepato-Bilio-Pancreático e de Transplantação (CHBPT) do Hospital Curry Cabral, em Lisboa, realizou o primeiro transplante de fígado por cirurgia robótica do país. Mas também o primeiro da Europa. O doente de 51 anos foi operado no dia 5 deste mês e a recuperação está a decorrer dentro da normalidade. Teve alta 11 dias após a intervenção.

O anúncio foi feito nesta quinta-feira, em conferência de imprensa, pela Unidade Local de Saúde (ULS) de São José – a que pertence este hospital. É no Curry Cabral que funcionam os centros de transplante hepáticos e o de cirurgia robótica. Um casamento feliz que tornou esta unidade do Serviço Nacional de Saúde (SNS) pioneira num transplante de fígado realizado com recurso à cirurgia feita por robot.

"Somos uma instituição com perfil universitário e prestamos cuidados altamente diferenciados. O nosso centro de cirurgia robótica realizou 1500 cirurgias em nove áreas diferentes. Fomos pioneiros com o primeiro robot no SNS e fomos o primeiro a nível nacional e europeu a realizar o primeiro transplante hepático com uso de robótica", anunciou Rosa Matos, presidente do conselho de administração.

Apenas uma equipa do Barnes-Jewish Hospital, em Saint Louis, nos Estados Unidos da América, realizou uma cirurgia semelhante, de um transplante com fígado completo, em Maio de 2023. As restantes intervenções, ainda poucas a nível mundial com uso de robot, foram com fígados parciais.

"Este é um dia muito importante. Mas não porque é a primeira transplantação associada ao robot realizada na Europa e porque só há duas transplantações deste género efectuadas no mundo inteiro: é um dia importante pelos benefícios que esta cirurgia traz para o doente. E é muito importante mostrar ao mundo médico nacional e internacional e ao público em geral que esta, que é a maior cirurgia de todas – o transplante hepático é a a cirurgia mais difícil e perigosa –, pode ser realizada por cirurgia minimamente invasiva associada ao robot. Traz os benefícios de retorno à actividade mais cedo, mas também um aumento do rigor da cirurgia", reforçou Luís Campos Pinheiro, director da área da cirurgia da ULS.

Doente tinha uma cirrose hepática

A cirurgia no Hospital Curry Cabral realizou-se no dia 5 deste mês. O doente, de 51 anos e nacionalidade portuguesa, com uma cirrose hepática em estadio avançado, entrou na sala 1 do bloco operatório do Curry Cabral cedo. Às oito horas da manhã, a intervenção começou. E terminou às 17 horas. Foram sete os profissionais de saúde –​ três cirurgiões, um anestesista e três enfermeiros – responsáveis pela intervenção que demorou nove horas. Demorou mais do que um transplante tradicional, mas é de esperar, referiram os médicos, que, à medida que experiência for aumentando, o tempo se aproxime do da intervenção tradicional.

"O doente recuperou muito bem e ficou muito satisfeito", disse Hugo Pinto Marques, cirurgião principal e responsável pelo CHBPT, quando questionado sobre a reacção do primeiro paciente a fazer um transplante hepático por robótica.

O cirurgião explicou as vantagens de fazer uma intervenção desta natureza, versus a cirurgia tradicional. "Quando fazemos transplante hepático, a incisão é bastante grande. Começa no princípio do abdómen e vai para a parte lateral. Causa dor e grande dificuldade na recuperação. Com o robot, a incisão pode ter oito a dez centímetros. É muito mais pequena, não é comparável no tempo de recuperação." Foi por essa incisão que saiu o órgão velho e entrou o novo, proveniente de um dador cadáver na mesma faixa etário do doente transplantado.

"O robot é um instrumento de precisão cirúrgica. Está a ser controlado pelo cirurgião e replica o movimento que estamos a fazer", explicou o médico que liderou a intervenção. Foram as suas mãos que estiveram nos manípulos que comandam os braços robóticos. O dispositivo "permite fazer gestos que a mão humana não consegue fazer, ver de forma ampliada e detalhada". Os outros dois cirurgiões estiveram ao lado do doente.

"Tudo isto dá uma capacidade de reconstruir muito superior ao que somos capazes de fazer sozinhos", reforçou Pinto Marques, explicando que as veias e a artéria são muito delicadas, o que torna o processo de reconstrução da ligação ao novo órgão bastante complexo.

"Não tenham medo"

Paulo Pereira não sabia que estava tão doente até ter ido ao médico de trabalho por causa da barriga inchada, em Janeiro de 2023. Saiu de lá com a recomendação para que fosse às urgências do Hospital São Francisco Xavier, unidade da sua área de residência. De lá foi encaminhado para o Egas Moniz, que pertence à mesma ULS, e perante o cenário o caminho seguinte foi o do Hospital Curry Cabral, onde está o centro de transplante hepático.

"Foi um ano muito complicado", contou ao PÚBLICO o técnico de manutenção. Perante a gravidade da doença, ficou logo inscrito na lista de espera para transplantação. No dia 4 deste mês, por volta das 18 horas, recebeu o telefonema tão aguardado.

"Estava em casa e ligaram-me para ir fazer um exame ao Hospital de Santa Marta. Para não terem depois de me ligar durante a noite, ficou logo decidido que ficava no Curry Cabral e de manhã fui para o bloco operatório", recordou. Estava preparado: "O transplante era a única hipótese que tinha de voltar a ser o mesmo."

A equipa já lhe tinha falado sobre a possibilidade de a cirurgia se realizar por via robótica. Mas Paulo só teve plena consciência de como tudo foi depois de ter acordado da operação. "Não trouxe mais receio. Foi uma equipa excelente que apanhei. Após ter acordado, o cirurgião foi ter comigo - foi ver-me todos os dias - e explicou-me como tinha sido."

Não sente dores e só lhe custa um pouco subir escadas. Questionado como se sente por ter sido o primeiro doente transplantado com recurso a robótica e por fazer parte desta história pioneira, remata: "Não ligo muito a essas coisas. Mas se me perguntarem, aconselho. Não tenham medo."

Esta quinta-feira voltou ao hospital para uma consulta pós-operatória para tirar os agrafos e rever a medicação. No próximo dia 29 volta para mais uma. "Sinto-me outra pessoa. Só temos uma oportunidade na vida. Agora, é um dia de cada vez", disse Paulo.

Cinco anos de cirurgias robóticas

O centro de transplante hepático da ULS de São José é um dos maiores da Europa. No ano passado realizou 118 transplantes, de um total de 2700 já feitos desde que a unidade funciona.

Quanto a cirurgias robóticas, Portugal tem dez robots. Destes, quatro estão no SNS – dois deles no Hospital Curry Cabral. O primeiro foi instalado em 2019, proveniente de uma oferta da Fundação Imamat Ismaili, o segundo foi adquirido pela ULS no ano passado (o robot tem um custo de 2,8 milhões de euros). Em 2023, o centro fez 500 cirurgias robóticas. Desde 2019 foram cerca de 1500.

Mas o objectivo não é ficar por aqui. A equipa já tem estabelecido um programa para continuar a realizar transplantes hepáticos com recurso à robótica e a ULS está a estudar a realização de cirurgias robóticas em áreas como ortopedia e neurologia. "Há dezenas de profissionais de outros hospitais nacionais e internacionais a receber formação neste centro. Queremos continuar a desbravar caminho e a inovar, porque esta é a forma de atrair e motivar os profissionais para o SNS e é essencial para prestar cuidados de grande inovação à população", afirmou Rosa Matos.

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