MP recorre de arquivamento de caso que envolve ex-dirigentes da Santa Casa

Advogado de defesa lamenta que se “arraste sem mais o nome das pessoas para a lama e para a arena pública da condenação”.

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Santa Casa da Misericórdia de Lisboa Vitor Cid
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O Ministério Público vai recorrer da decisão do juiz de instrução Nuno Dias Costa de não levar a julgamento vários ex-dirigentes da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa que tinham sido acusados de lesar a instituição através de um esquema de adjudicações fraudulentas de bens e serviços.

Em causa estão contratos que nalguns casos remontam há década e meia, razão pela qual o magistrado, que se mostrou particularmente crítico para com a actuação do Ministério Público neste inquérito, considerou prescrito o crime de participação económica em negócio pelo qual respondiam estes gestores. A acusação assacava-lhes ainda o crime de abuso de poder, mas o magistrado entendeu que as funções que exerceram na Santa Casa não são equiparáveis às de funcionário para efeitos da prática deste delito, razão pela qual também não os pronunciou neste capítulo.

As principais objecções de Nuno Dias Costa à actuação do Ministério Público relacionam-se com o facto de, durante a investigação, não ter sido feita uma perícia financeira que pudesse confirmar – ou não – que os então dirigentes da Santa Casa prejudicaram a instituição ao contratarem certas empresas para fornecer determinados serviços por ajuste directo.

“Salta aos olhos que houve concertação” entre os arguidos para beneficiar determinados fornecedores, disse o magistrado na sala de audiências esta segunda-feira. “Porém, o Ministério Público não investigou se estes bens e serviços podiam ter sido fornecidos a um preço inferior” ao que foi pago, lamentou o magistrado, que qualificou a investigação como tendo sido “incompleta” e “coxa”.

Dizendo-se lesada pela sua actuação, a Santa Casa pedia mais de 1,7 milhões de euros a três dos dez suspeitos, parte dos quais já militaram ou tiveram cargos no PSD, no PS e no CDS. A vogal responsável pelo pelouro da saúde da instituição entre 2011 e 2019, a social-democrata Helena Lopes da Costa, foi acusada de ter entregado mais de três dezenas e meia de contratos a outro militante do mesmo partido, Fernando Catarino, para o fornecimento do mais variado género de bens, de material médico a equipamentos de ar condicionado, nos primeiros tempos do seu mandato. Este, por seu turno, chegou a admitir ter criado uma rede de empresas-fantasma para conseguir ultrapassar os valores máximos da contratação pública por ajuste directo.

Para estas empresas trabalhava o socialista que actualmente dirige a Junta de Freguesia de Alcântara e que na altura também liderava a concelhia do PS de Lisboa. Na sequência da acusação de que foi alvo, Davide Amado demitiu-se da concelhia.

“Fez-se justiça!”, comentou ontem o autarca na sua página no Facebook. “A única mágoa que guardo foi a de ter abandonado, em consequência deste injusto e infundado processo, a liderança de um projecto do Partido Socialista em Lisboa, cidade que amo. Fi-lo para protecção do meu partido.” Neste momento Davide Amado é candidato a deputado, estando em 16.º lugar pelo círculo eleitoral de Lisboa.

Do rol de dirigentes da Santa Casa aos quais são imputadas responsabilidades criminais fazem ainda parte Paulo Calado e Paes Afonso, sendo este último militante do CDS.

Algumas das firmas tinham escasso tempo de existência quando foram convidadas para fornecer a Misericórdia, refere a acusação, acrescentando que pelo menos num caso a entrega do negócio foi alvo de um despacho da Santa Casa mesmo antes de a adjudicatária ter sequer “nascido” na conservatória do registo comercial.

A sobrevivência de parte destas sociedades dependia em grande medida desta instituição, diz ainda o Ministério Público. Houve funcionários da Santa Casa que quando foram ouvidos pela Polícia Judiciária se queixaram da má qualidade dos materiais fornecidos e da falta de especialização destas firmas. Uma delas, por exemplo, actuava em áreas de actividade tão distintas como as telecomunicações, os equipamentos médicos e o ramo turístico.

Para o advogado Rui Patrício, que representa Helena Lopes da Costa neste processo, parece muito clara a decisão do juiz “sobre a total falta de fundamento da acusação, que não analisou nem provou minimamente – aliás nem sequer analisou – aquilo que lhes imputa”. E rematou dizendo: “O Ministério Público está no direito de recorrer dessa decisão, mas a defesa está, creio, também no direito de lamentar que se persista na ligeireza de acusar com base em suposições, arrastando sem mais o nome das pessoas para a lama e para a arena pública da condenação”.

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