Pedro Nuno tenta colar Ventura ao PSD e recebe o epíteto de “candidato amnésia”
Socialista diz que “Justiça está a funcionar”, mas líder do Chega acusa-o de não querer combater a corrupção. Adversários acusam-se mutuamente de mentiras e de terem programas sem soluções.
Foi um debate muito acalorado, centrado na Justiça, Saúde, Habitação e impostos – com mais tempo a criticar o opositor do que a falar das próprias propostas –, com acusações mútuas de mentiras e termos menos próprios para dois altos políticos: Pedro Nuno Santos e André Ventura, que se enfrentaram pela primeira vez, mostraram que têm uma visão totalmente oposta sobre o país e sobre como resolver os problemas.
O líder do PS procurou, sucessivamente, vincar que o programa do Chega não traz “soluções”, nem “nada de novo”, mas sim “falsidades”, “faz de conta” e as medidas são “irrealizáveis”, numa tentativa de “dar tudo a todos” e que Ventura faz a “ilusão de enganar as pessoas”. O presidente do Chega classificou Pedro Nuno de ser o “rosto do maior falhanço do Governo” na Saúde – quando era ministro das Infra-Estruturas –, disse que é “impreparado para ser primeiro-ministro” e o seu programa é “uma mão-cheia de nada”. Isto, para além dos epítetos de “candidato amnésia”, “ministro trapalhadas” e até “frouxo” .
O debate começou pela Justiça, motivado pela libertação dos detidos da operação da Madeira nesta quarta-feira, depois de 21 dias de detenção. Pedro Nuno não quis comentar o caso concreto, lembrando que foi a atitude que também teve com a Operação Influencer, mas alegou que esse longo prazo terá sido aquele de que o juiz precisou para decidir com segurança.
Defendeu que todos os casos de corrupção “são preocupantes”, mas isto mostra que “a Justiça está a funcionar” e que o combate tem agora mais meios – embora seja necessário continuar a reforçá-los. A percepção sobre o fenómeno cresceu, mas não a corrupção em si, defendeu o dirigente socialista.
Recusou o aumento de penas (com que Ventura o desafiou a dizer se concorda), alegou que o confisco e apreensão de bens que o Chega propõe já são hoje instrumentos legais a que a Justiça recorre – em 2022 foram arrestados 37 milhões de euros e confiscados 13 milhões de euros –, e até lembrou que o deputado do Chega faltou à votação de um pacote de medidas anticorrupção no Parlamento, em 2021, preferindo estar num encontro de líderes europeus da extrema-direita. “Não traz nada de novo” , repetiu várias vezes e não respondeu sobre se é ou não necessária uma reforma da Justiça.
O líder do Chega insistiu nas suas propostas de reforço das penas e confisco de bens no início do processo para evitar casos como o de Manuel Pinho, que voltou a ter acesso à pensão e para que os “Ricardos Salgado desta vida não fiquem nos seus palácios”, e citou o director da PJ de que só se confisca 1% a 3% do possível. “Pedro Nuno Santos prefere não fazer nada no combate à corrupção”, acusou, acrescentando que o PSD também nunca teve coragem para fazer esta reforma. “O programa do PS é como o Melhoral, não faz bem nem faz mal”, disse Ventura, que mais à frente acusou o socialista de “ser frouxo no combate à corrupção”.
Sobre a limitação de recursos nos tribunais que o Chega propõe para evitar situações como os “30 recursos de José Sócrates” envolveram-se numa discussão, depois de Pedro Nuno ter dito que Ventura já foi condenado por difamação (na verdade, por segregação racial) e pôde recorrer e bem por ser um direito. “Nunca fui condenado criminalmente”, repetiu o líder do Chega, mas o socialista especificou: por difamação, por ter chamado bandidos a residentes no Bairro da Jamaica.
“Nesta campanha temos o SNS em risco”
Na Saúde, Ventura pediu incentivos salariais e fiscais para os profissionais, lembrou que os privados já assumem 40% do trabalho; Pedro Nuno teve de dar um passo atrás e corrigir a medida do seu programa sobre o tempo mínimo para permanência para os médicos, afirmando que terá de ser negociado com os sindicatos, tal como reconheceu que o SNS tem problemas.
Acusou o Chega de querer “desistir do SNS e ter apenas um sistema de saúde que canaliza o dinheiro e investir no negócio privado”, como a “receita da IL e da AD”. “Nesta campanha temos o SNS em risco”, avisou o líder do PS, extremando o discurso. Ventura haveria de lhe chamar “candidato amnésia” e de o acusar de querer impor uma “medida estalinista”.
“André Ventura quer tudo: já quis extinguir o Ministério da Educação, o da Saúde, e acabar com o cargo de primeiro-ministro. As posições do Chega não são para levar a sério. Tem a opinião do momento que lhe serve. Não tem programa credível do ponto de vista financeiro”, apontou Pedro Nuno.
Nos impostos, digladiaram-se sobre quanto valem as propostas de redução fiscal e aumento das pensões do Chega, sem haver um número certo. “O Chega baixa ou acaba com impostos; tem respostas para toda a gente. Isto não é para levar a sério. O aumento de pensões são 9000 milhões todos os anos; obviamente que é impossível”, contabilizou o socialista, que diz que Ventura já começou a recuar, ao dizer, em entrevista ao PÚBLICO que isso só será possível “se a economia crescer entre 3% e 5%”.
Os cálculos de Ventura são diferentes: a subida das pensões mínimas até ao salário mínimo e a descida de diversos impostos representam 10 mil milhões de euros, sendo as pensões o equivalente anual a 1,3% do PIB. Pedro Nuno replicou que o líder do Chega “está preocupado em enganar as pessoas com um projecto para o qual não tem solução”; Ventura foi buscar o chavão de que está preocupado com os idosos que “não têm dinheiro para medicamentos.
“Até o parceiro que tanto deseja não o leva a sério”
O secretário-geral do PS procurou colar Ventura ao PSD, apontando que apoiou Passos quando este cortou salários e pensões ou os polícias protestavam em 2013, assim como os professores. E acusou-o de ser um político “a tentar subir no sistema com um programa cheio de falsidades e de irresponsabilidade financeira, que até o parceiro que tanto deseja [PSD] não o leva a sério”.
Novo tema, velhas acusações. Também na Habitação o PS promete “uma mão-cheia de nada”, repete Ventura, desvalorizando a medida dos 50 euros de dedução das rendas no IRS. Pedro Nuno corrige-o para 200 euros e também acusa o concorrente de “mentir” por este dizer que houve uma injecção de 9000 milhões na CP. Números que Ventura usa para lhe chamar “ministro trapalhadas”, somando o facto de “dirigir a TAP por WhatsApp”.
Pedro Nuno defende-se: lançou “o maior plano de investimento público em habitação na democracia”, mas “o problema demora”. E explora as incoerências de Ventura, alegando que os benefícios fiscais mostraram não ter efeito, mas são esses que quer; que os “vistos gold” contribuíram para a crise do mercado e Ventura quer reintroduzi-los.
No final, Pedro Nuno quis saber quem deu a Ventura a “garantia total” de que haverá um governo de direita com ou sem Luís Montenegro. O líder do Chega respondeu, recusando “jogos de bastidores”: “Não tenho de lhe dar nomes, porque você não é de direita, nem interlocutor.” Ainda se ouviu Pedro Nuno: “Por isso anda a mendigar uma aliança...”